quinta-feira, dezembro 04, 2008

O mal de Graciliano Ramos


eu pensei em começar hoje com uma daquelas frases do tipo "sou um homem de muitas paixões", mas resolvi que não. até porque, desde O Sonho, nada me interessa muito, e tenho sido um homem de uma paixão só.

mas vi esse quadrinho aí e fiquei pensando: quanta coisa dentro de tão pouco. às vezes acontece. hoje, por exemplo, duas vezes.

tava pensando num amigo novo, o HT. quando eu o conheci, não dava nada para ele. eita, quis dizer: não dava nada por ele. é um moço quietucho, aparentemente sem muito que chame a atenção. mas depois de alguma convivência... é um fofo, e tem um volumão... de leitura, que é impressionante. (hoje estou cheio de trocadalhos do carilho.) ele me lembra outro amigo do mesmo instituto (o de Matemática)... eles são ótimos.

depois, no ônibus, quando voltava da casa do Ares, aonde tinha ido entregar as 254 páginas da minha dissertação de Mestrado, a Dita, para ele ler e rabiscar (ler e rabiscar = revisar). daí, como desde ontem eu não conseguia falar com a minha melhor amiga, porque chamadas iam direto para a caixa postal, e os sms não me retornavam o relatório de recebimento, surtei numa angústia. e achei que era sexto sentido. de novo: muito dentro de tão pouco. depois descobri que nada estava acontecendo. eu que surtei, mess. como à parte ela, só quem vive o tempo todo na minha cabeça é O Sonho (é... my last name is daydreaming), mandei um sms pro pobre moço, que deve ter me julgado ainda mais surtado que o normal:

"Tá td bem com vc? Por favor, responda!"

A louca.

E ele, fofo:


"Tudo supimpa!"

Bendita sincronia na sintonia. Fiquei me sentindo melhor. Mas só na hora: depois me senti ridículo. Mas é bom saber que pode haver tanto bem-querer aqui dentro.

quarta-feira, outubro 29, 2008

O sonho


“Experiar somnum, de te mihi somnia quaeram:

Fac uenias oculis umbra benigna meis!”

Dixit, et incerto permisit bracchia somno,

Nescia, uae, furiis accubuisse nouis.

Propércio, IV, 4, 65-68


“Recorrerei ao sono, pedirei sonhos de ti para mim:

Vem em visão benigna para os meus olhos!”

Disse, e entregou os braços a um sono incerto,

Ignorante – coitada! – de ter-se deitado em novos delírios.


Faz hoje dois meses que eu esse sonho. Eu fui pra cama sem muito na cabeça e, bem, felicidade se acha é em horinhas de descuido.

era pouco mais que uma da manhã, ele bateu na porta toque-toque eu perguntei se era ele ele disse que sim eu abri ele entrou. eu estava com a boca espumando, não de raiva, mas da pasta de dente, olhei para ele e soube que eu quereria que ele ficasse. ele olhou para a porta do meu quarto, ficou olhando lá os meus postais e fotos, enquanto eu trocava meia dúzia de palavras com o meu roomie.

daí entramos no quarto, deitamos na cama, fizemos amor.

Aqui a K me interrompe o texto e diz, com cara de espanto e reprovação: “Fizemos amor!?”. E eu sou obrigado a abrir parênteses e explicar que sim. Detesto a expressão, continuo detestando, mas a minha insuficiência vocabular não me permite nada de melhor aqui. É que conversamos, trocamos carícias, beijamos-nos com as bocas e com os olhos e com as pontas dos dedos e com o corpo inteiro. E também fizemos sexo.

de repente era dois dias depois e a gente estava girando de mãos dadas no sopé das escadas rolantes do SESC. em seguida, a gente tava no vidro do aquário, e eu comia o meu bolo de banana tradicional e eu tomava a minha coca-cola e ele bebia um café com leite. ele sorria atrás do aparelho e dos olhos claros e eu tive certeza do que já tinha sabido que eu queria que ele ficasse. aí ele me trouxe pra casa.

na praça do relógio, ele me dizia coisas que eu não entendia ao certo, mas eu gostava da sua inteligência de raciocínio. “você não tem esse repertório”, ele me justificava na minha incompreensão e foda-se ele dizia cada vez que se embaralhava. eu sorria. eu senti frio e ele me abraçou dentro do seu casaco. um grand jeté en avant e fomos parar numa câmara negra, onde tiras de couro preto formavam as quatro paredes. eu falei de Sartre ele tinha frio subimos pro meu apartamento.

na minha cama, embaixo das cobertas com sensação de edredom da vizinha, ele pousou o queixo no meu peito e eu perdi a linha de pensamento olhando os seus olhos claros. perguntei se ele queria ficar, mas ele disse que não. fazia frio.

no dia seguinte, ele me contou um segredo. acho que eu não entendi. a partir daí, nós não nos compreendíamos, falávamos línguas diferentes. eu o achava sempre agressivo, ele me chamava de agressivo e egoísta. eu só entendia isso, mas não o porquê disso, e todas as suas falas terminavam com “isso é o que você acha”. e assim se encerravam as discussões.

eu me lembrei de que ele queria que eu fosse ao SESC vê-lo nadar. do aquário, eu olhava as braçadas e as idas e vindas, na água verde-claro-azul-escuro da piscina limpa cheia de cloro. pisco os olhos e ele desaparece, sem silêncio. e eu fico olhando, procurando, como quem se hipnotiza no fundo da piscina, procurando os tampões auriculares de silicone perdidos, fim do mundo de ruídos externos, ou a chave do cadeado da porta do armário, única possibilidade de reaver bens trancados.

São Paulo, 24 de outubro de 2008.

quarta-feira, outubro 22, 2008

é que...


... às vezes é tão difícil escrever...

sexta-feira, outubro 03, 2008

Alimentação saudável

Gilmore Girls.
sucrilhos com leite
leite com chocolate
batata frita
Coca-Cola

e a espera.

sábado, setembro 27, 2008

Canela e Gramado

Pois fui lás hoje.

Quando cheguei a Canela, tinha perdido o único ônibus jardineira que faz o passeio turístico na cidade. Se ferrei grandão.

"O ônibus das dez?"

"Veio um grupo grande, e ele saiu às nove."

Confiabilidade zero, pensei eu.

"Você não quer ficar pro do meio-dia?"

Minha senhora, eu me levantei às cinco da manhã para estar aqui este horário... Esperar duas horas, numa cidade em que não há nada que fazer? Acho que não. E, levando-se em consideração o fato de que se trata de uma cidade em que não há ônibus circular, fazem-se os pontos turísticos com uma jardineira (nada confiável...) ou de táxi... Nem. Voltei pra rodoviária, onde fui maltratado pela atendente de plantão no guichê, peguei o outro ônibus e fui pra Gramado.

Em Gramado as coisas foram mais fáceis. Ônibus jardineira, passeiozinho previsto, ônibus de volta pra POA. A vida é bela com a rotina. Não gosto que mexam no meu queijo...

quinta-feira, setembro 25, 2008

Totalmente boleado


E isso aí me lembra quando inda eu morava no Rio e o povo dizia "Ficou boladão!..." pra alguém que se pasmasse com qualquer coisa acontecida.

Daí ontem eu resolvi ser uma pessoa melhor. Nenhum perdão é completo sem o esquecimento da ofensa, e eu resolvi procurar o Pé-de-Feijão, que vai bem, obrigado, muito bem, até. E hoje revi o tal sósia dele que tinha estado no auditório. É um menino queridíssimo do Instituto de Letras da UFRGS.

Apesar do enorme desânimo de que venho sendo tomado, que ando deprimido que só, hoje reagi a breves e curtos passos, trabalhando o dia todo na exposição que foi o fim do Colóquio de que vim participar. Bem, estou em Porto Alegre... deu pra ti, baixo-astral...! Alunos empolgados são sempre um bom remédio para muitas dores. E o dia terminou com um xou de dança típica gaúcha numa chucarrascaria ótima, com xou de boleador e tudo, chê! E também me comprei meias novas, sempre brancas, e o CD trilha do filme Juno. Just cute.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Notícias de eu, em POA





Aux deux extrémités de la vie,
avec trop ou trop peu de sensibilité,
on ne s'expose pas avec simplicité
à sentir le juste effet des choses,
à éprouver la véritable sensation
qu'elles doivent donner.

Stendhal,
in
De l'amour






Ontem eu matei uma mosca. Cidades quentes sempre têm moscas, é impressionante. Entrei no quarto, a maldita da faxineira tinha deixado a janela aberta. Duas moscas (medônhas) no quarto. Uma delas parou na porta. Havaianas, ixipléxite!, sanguinho, papel higiênico. Já não se pode dizer que eu sou tão inofensivo que nem sequer a uma mosca mate. Não se enganem.

Sempre fui uma pessoa de muitas paixões. Então eu estive apaixonadíssimo por esse moço do candomblé. Vou chamá-lo Pé-de-Feijão, roubando o apelido que lhe deu um judeu que conhecíamos em comum. Não o Judeu de D'us dos olhos azuizes que gostava de feijão preto (ouço dizer que ele anda em sérios apuros), mas um outro judeu. Um amorzinho de menino, esse outro judeu. Mas eu me apaixonei foi pelo outro, o moço do candomblé.

Olhei para a situação e, sinceramente, eu a achei, no mínimo, ridícula. Uma pessoa lamentavelmente preconceituosa como eu, com a criação evangélica, cristã e cheeeeeia de culpa como a minha... namorar alguém de uma religião afro-brasileira? Ixe... O medo que eu tenho daqueles batuques e transes... era um negócio fadado a dar errado. O que foi uma pena, porque eu realmente me encantei com o moço. Ele me esqueceu rápido, e até aí nada de novo, mas eu guardei o amarelo do trigo sob o Sol.

Daí que, na segunda-feira, na UFRGS, quando me apresentei, entrou um moço no auditório que era a cara do Pé-de-Feijão. Eu olhava para ele e sorria. Ele nem nunca viu, e nem era essa a intenção. Feliz daquele moço que, sem o saber, ganhou a simpatia de uma das pessoas mais azedas que eu conheço, sem sequer um esforço. Eu olhava para ele e me perguntava, com insistência: Como será que vai o Pé-de-Feijão?

O mais estranho, e aqui encerro a história, foi ir ontem à uma maravilhosa piteçaria que descobri na Cidade Baixa, o bairro guei por excelência em Porto Alegre, pelo que me dizem, para ver outro semi-sósia do Pé-de-Feijão. É que há trigos que se trituram facilmente; e outros que cintilam com enorme brilho às vezes mesmo sem raios de Sol, na escuridão.

quinta-feira, setembro 18, 2008

Cristalização


Laissez travailler la tête d'un amant pendant vingt-quatre heures, et voici ce que vous trouverez :

Aux mines de sel de Salzbourg, on jette, dans les profondeurs abandonnées de la mine, un rameau d'arbre effeuillé par l'hiver ; deux ou trois mois après on le retire couvert de cristallisations brillantes : les plus petites branches, celles qui ne sont pas plus grosses que la patte d'une mésange, sont garnies d'une infinité de diamants, mobiles et éblouissants ; on ne peut plus reconnaître le rameau primitif.

Ce que j'appelle cristallisation, c'est l'opération de l'esprit, qui tire de tout ce qui se présente la découverte que l'objet aimé a de nouvelles perfections.


[...] En mot, il suffit de penser à une perfection pour la voir dans ce qu'on aime.


Stendhal, in De l'amour

domingo, setembro 14, 2008

Pensando nos meus vícios e ciclos viciosos


-- Qual, minha gente! -- ponderou a velha crioula --, tudo é cativeiro. Quem teve a desgraça de nascer cativo de um mau senhor, dê por aqui, dê por acolá, há de penar sempre. Cativeiro é má sina; não foi Deus que botou no mundo semelhante coisa, não; foi invenção do diabo.

Bernando Guimarães, in A Escrava Isaura

quarta-feira, setembro 03, 2008

A vizinha do 400-e-X


"Oi, eu sou a Fulana. Moro no quarto andar, no 400-e-X, e o meu sutiã caiu do meu varal e pousou no seu. Deixe-o no meu escaninho, por favor."

Achei o imperativo no final do bilhete de uma tremenda audácia. Mas tudo bem: pra sorte da Fulana, eu estava num bom dia, de excelente humor, e fui dócil. Tão dócil quanto necessário para espantar qualquer um que me conheça minimamente: peguei o tal sutiã, deselegantemente preto, lamentavelmente esgarçado, espantosamente grande, embalei-o num saco plástico, colei com fita adesiva, pus no escaninho. E vivi feliz para... quase sempre.

Aí, na semana passada, na quinta-feira, depois de uma discussão sem sentido, os meus humores não eram dos melhores.

"Oi, aqui é a Fulana, do 400-e-X. Caíram do meu varal uma meia preta, que está no varal do quarto do meio do apartamento de vocês, e um par de xortezinhos, pendurados num cabide, que ficou preso ao varal do quarto da extrema esquerda. Deixem as peças no escaninho."

Nem se a vaca tussisse. Subi ao apartamento, com a fúria acrescentada pelo disparate, despautério e desatino do bilhete. E eu agora era o quê? atendente de loja de roupa feminina? e ia ficar pondo a minha mão nas roupas alheias que tocam as partes alheias assim, aleatoriamente? Mas nem a pau... inda mais a... whatever. Com um breve jogo de dedos, as peças estavam no chão, lá no chão, longe do meu varal.

"Everton, tinha um bilhete no escaninho... duma moça que deixou umas peças caírem no varal... você viu?", pergunta-me o meu colega de apartamento.

"Não", respondo eu, mais para não fazê-lo cúmplice do que para esconder o meu ato.

Em seguida, toca o interfone. Era a Fulana. Pelo nome no bilhete, eu não tinha reconhecido... pela voz, eu soube quem era. Era a Fulana! Conhecida de longa data, sem meias e sem xortezinhos. Like I cared.

quinta-feira, agosto 14, 2008


C'est véritablement utile puisque c'est joli.

Antoine de Saint-Exupéry, in Le Petit Prince

(source de l'image : http://www.petitronik.com/)

sexta-feira, agosto 08, 2008

Eu disse, ele disse (ou "Reminiscências do Judeu de D'us")

She looked at him as he stood near the other side of the bed. […] His face was strange and luminous. He was inevitable as a supernatural being. When she had seen him, she knew. She knew there was something fatal in the situation, and she must accept it. Yet she must challenge him.

D. H. Lawrence, in Women in Love


Então, depois de longos ensaios e scraps trocados, conversas de msn e telefonemas, visitas ao meu apartamento e ao dele, nós estamos juntos. Era só um flertezinho. Que virou jogo de sedução. Que virou uma ficada esplêndida. Que virou um sexo murcho. Que virou o que virou.

Eu disse Você é um grande egoísta.

Ele disse Eu não quero ser assim.

E quando eu apontei a ele um defeito, era óbvio que era algo que me incomodava, mas eu não imaginava que ele fosse levar isso para outros canteiros. Mas ele foi buzinar isso no ouvido de quem pouco podia compreender: de onde você tirou isso agora?

Eu disse Você é quem sabe o que é melhor para você.

Ele disse Do jeito que está não dá para continuar.

E quando eu deixei claro que a decisão era dele, era óbvio que era algo que me tocava, mas eu não imaginava que ele fosse levar isso para outros sendeiros. Mas ele foi buzinar isso no ouvido de quem pouco podia compreender: você ainda gosta de mim?

Ele disse Eu o amo.

Eu disse Quem ama não trai,

não ameaça deixar,

não impõe ao outro as feridas conhecidas.

Mas ele era muito jovem para me compreender.


Those who had before known her, and had expected to behold her dimmed and obscured by a disastrous cloud, were astonished, and even startled, to perceive how her beauty shone out, and made a halo of the misfortune and ignominy in which she was enveloped.

Nathaniel Hawthorne, in The Scarlet Letter

quinta-feira, julho 17, 2008

MeMo, aka Mélie-mélo or Teeny Weeny Tiny Ton

ab fab and absent-minded (when it suits me)
bittersweet and beautifully built
carelessly cunning
dearest devil
eccentric even evil
fairy fable
generous grant
hopping hope
ideal island
jiffy jem
lovely lady
mad madness
neat and numb
ostracizingly over
peer pressure
queer as the queen
relly revolting
silly and stubborn
totally tamable
uncovered understatements
way wacky
x
zenuinely, a zentleman

quinta-feira, julho 03, 2008

Mário Sérgio


Para o Tigrinho de Pelúcia

Foi uma viagem cheia de problemas. Ou de aventuras, dependendo da sua forma de ver as coisas. O fato é que eu tinha sido furtado, tinha perdido, logo numa das primeiras semanas, pouco mais que 600R. Isso na hospedagem em que estava, dividindo quarto com um moço do Uruguai.Mas eu não desci do salto facilmente: também o Ares estava no Sul, e ele acabou me emprestando o dinheiro necessário para repor a perda.


Agora estava eu ali, no aeroporto de Porto Alegre. Era pra ser rapidinho, fim indolor de viagem. Mas a gente sabe que desgraça pouca é café pequeno, e eu cometi um erro: despachei a minha bagagem de mão com cartões de banco e de crédito dentro. Tinha comigo um dinheirinho de bolso e uma bolsa que carregava as minhas leituras, entre as quais estava
O Gaúcho, do José de Alencar. Daí, com o atraso de quase três horas que acabou tendo o meu vôo, eu o descubro, numa das minhas inúmeras andadas pelo aeroporto.

Ele estava lá. Radiante, bem-humorado, de pernas cruzadas, lá em cima, com o seu ar superior, olhando para todos com um pouco de sobrançaria. E ele era lindo. Foi paixão à primeira vista. Mas eu não podia trazê-lo comigo naquele momento, então escrevi pro Ares:


Oi, guri, tudo bem?
Estou aqui no aeroporto, tentando voltar pra casa faz umas boas duas horas. O meu vôo, das 11h40min, foi pras 13h40min e, mais tarde, pras 15h. Esperemos que não se atrase mais que isso.
Não liguei porque pretendia fazer isso aqui do aeroporto, antes de embarcar, mas o cansaço me fez mandar no check-in também a mochila que estava com todos os meus cartões, endereços, etc. e tal. Fiquei só com a tiracolinho de pano com as minhas leituras, a passagem e a minha identidade.
Nas andanças pelo aeroporto, que tampouco não estavam previstas, dei de cara com uma lojinha, logo no sopé das escadas rolantes, à direita de quem entra no aeroporto, chamada "Arte do Sul" (ou algo assim); entrando na loja, logo à esquerda, pendurado, está um tigre de pelúcia de 58R e bolotinha. Como eu não tenho mais esse dinheiro aqui, pensei em te explorar... Se eu puser 60R a mais no depósito que te farei no mais tardar amanhã, será que você não passava por lá no dia do seu embarque e pegava o tigrinho pra mim? Por favooooooooooooooooor... rs.
Um beijinho procê,
Everton

E assim começou uma longa espera, que eu já não me lembro quanto tempo durou, pela chegada do Ares. Quando ele veio, para o meu total desencanto, ele não tinha conseguido me comprar o tigrinho de pelúcia. Coitado: chegando ao aeroporto de POA, ele se deu conta de que tinha esquecido a carteira na cidadezinha de interior onde fica a casa dos pais. Meia-volta, inteiro atraso, desencontro. Nada de tigre.

Passei então por umas muitas lojas de brinquedos e pelúcia em São Paulo. Olhava bichinhos, conhecia marcas, falava com vendedoras... nem uma esperança. Até que um dia, uma dessas vendedoras de verdade me pergunta interessadamente o que eu procurava.

"Um tigre de pelúcia. Ele é grande assim, ó, e tem tronco e cabeça mais ou menos do mesmo tamanho. Os braços e as pernas são longos assim, e ele tem velcro nas mãos, pra fazer ele ficar pendurado tipo um agarradinho."

"Ah, eu sei qual é. Ele faz parte de uma coleção da Buba. A gente deve receber lá pro fim de março, mas eu já vi no catálogo."


Nada como um vendedor competente. Ou louco. Porque eu não creditei muito nela, não. Eu tava meio desacreditado, sabe? Mas não custava esperar. Quer dizer... custar, custar, custava. Inda mais que, na maioria das vezes, quando eu tenho que esperar, eu acabo esquecendo. Paixão, aliás, é bem assim:
strike while the iron is hot. Se deixar esfriar, não vira.

E eu esqueci, claro. Até passar na frente de uma loja, um dia, do nada, e bater de novo os olhos no bichinho. Se eu tivesse trilha sonora pra minha vida, naquela hora teria ouvido o Caetano Veloso:


Gosto muito de te ver, tigrezinho
Caminhando sob o sol
Gosto muito de você, tigrezinho


Para desentristecer, tigrezinho

O meu coração tão só

Basta eu encontrar você no caminho

Daí eu o comprei. Foi bem mais barato do que teria sido no aeroporto de Porto Alegre.

E vivemos felizes para sempre, claro.

terça-feira, junho 24, 2008

Feijão preto

suis miserum me cepit ocellis
Propércio, I, 1

com os seus olhinhos me capturou... pobre de mim!



"Você anda assim, ó."

Daí eu imitei o seu jeito solto de andar, com os braços balançando, peito aberto, uma forma desleixada que, como todo o resto, era puro encanto. Os olhos azuizes me olham, a risada conhecida me invade os ouvidos e aquece o corpo, para em seguida eu ouvir algo que revelava um incômodo.

"Mas eu estou só comentando, não é uma crítica."

Novo sorriso dos olhos azuizes.

É que ele não sabia que os apaixonados observam.
Que observam porque namoram,
porque se enamoram,
porque veneram.
Filmam e fotografam com os olhos,
arquivam as sensações miúdas
para depois saboreá-las no silêncio da noite só.


E foi observando detalhes que eu soube
(e nunca esqueci)
que ele prefere feijão preto.

segunda-feira, junho 23, 2008

Para Mica, no seu vigésimo sexto aniversário


Olá, meu amor, feliz aniversário!


Estou tão feliz de saber dos seus morangos... Não, eles não me escaparam. Sim, você se esqueceu de me contar, mas eu os descobri. Comuns, eu os achei; tão comuns quanto encantadores. Também fiquei feliz de saber da grandíssima vitória do diploma, do emprego, da faculdade, do marido. Espero que as coisas continuem seguindo no melhor caminho.



Daqui, as mesmas ansiedades de sempre.

Continuo na anotação dos meus fragmentos, agora no de número 220 e bolotinha, dos totais 420. O trabalho tem-se mostrado cada vez mais fluido, tenho me sentido satisfeito com a pesquisa e com o seu resultado. A minha orientadora, sempre adorável e presente, recebeu hoje mais algumas páginas de leitura. Enfim, academicamente, as coisas caminham e se encaminham.

Por isso disse que logo devo deixar São Paulo. Acredito que no segundo semestre. A agitação (e sobretudo o trânsito) desta cidade me tem incomodado muitíssimo, e acho que oito anos deste país me são suficientes. Para o Sul. Bah, para Porto Alegre, muito provavelmente. Há sempre a caixinha de surpresas, o encanto que me causou Curitiba, Florianópolis que ainda devo conhecer este ano, aí por agosto. Nada decidido, ao fim e ao cabo.

Tenho feito amizades novas, de extrema importância nestes momentos. As duas principais são o Quique e a Dessa. Ele, o moço adorável que já mencionei outras vezes, inclusive numa postagem aqui do blóguite; ela, a professora de alemão amiga do Fá, um anjo de presença e tranqüilidade que só podem fazer bem. E há o J., que se vem juntando ao grupo aos poucos, marcando presença, mostrando os seus encantos. Tenho revisto pessoas, mantido o Siqueira por perto, aparado arestas com o Fá, conversado esporadicamente com a Enluarada.

Que mais? Saudades, claro. Dos nossos passeios, das nossas conversas, das nossas risadas e mãos dadas. Da meiguice dos seus olhos e da miudez da sua expressão física. Da sua presença quase diária na minha vida, fiel e insubstituível.

Com todo o meu amor,
Everton

domingo, junho 15, 2008

Religião: reflexões de busca




Introdução.
Uma pequena dose de assunto diferente. Porque, se eu me desleixo um segundo, se me permito uma distração mínima, volto ao monotópico e isto acaba por tornar-se um blóguite enfadonho, com cara de coluna de aconselhamento amoroso. Touche du bois !

Brasília. Aconteceu, durante a minha recém-terminada viagem a Brasília, uma peregrinação religiosa que me abriu os olhos para algumas coisas. É engraçado, mas é verdade: a cada viagem que faço, há sempre um dia em que a solidão cala fundo no peito (rs), e eu acabo me (re)vendo num momento de busca religiosa. Desta vez, a coisa foi singela. Havia eu me programado para uma visita à Catedral que, como tudo por aquele lugar de vastos espaços e céus abertos, leva a assinatura do Niemeyer. Já tinha passado na frente dois dias antes, quando me avisaram dos horários. E, então, quinta-feira, era entrar e admirar. Primeiro e maior, o peso dos três anjos pendurados me puseram lágrimas nos olhos. Patético como soa. Simples assim. Depois de passar por todos os espaços abertos à visitação e me chatear com um celular que toca e é atendido no meio daquela imensidão espiritual, saí, esbarrando ainda com uma bermuda não autorizada que entrava no templo.

Ermida Dom Bosco. De lá, parti para a Ermida Dom Bosco. Longe como quase todas as coisas interessantes (e elas não são poucas) daquelas paragens, o longo caminho feito pelo ônibus não foi suficiente: tive ainda que fazer uma bela caminhada de vinte minutos a pé, numa estrada erma e longa, perguntando-me se não era para fazer jus ao nome da pequeninina capela, na verdade um grande oratório com a imagem de Dom Bosco. Elevada sobre uma espécie de anfiteatro, às margens do Lago do Paranoá, a Ermida era bem menos impressionante que o caminho que se faz para chegar a ela, o que ele oferece, o próprio anfiteatro (onde passei uma boa meia-hora em companhia de Sílio) e a vista esplendorosa do céu aberto e o Lago loguembaixo.

O Convento. Viandante pra Ermida, vejo uma construçãozinha modesta, bonita, com cores familiares. Pergunto se estou no caminho certo, e ela me diz que sim. Pergunto o que é a construçãozinha modesta, e ela me diz que é um convento. Ela, uma freira do local, perguntou se eu não queria entrar, usar o banheiro, beber água e encher a minha garrafinha, conhecer a capela. Estranhei a oferta, assim como estranhou que eu desligasse o celular antes de entrar. A capela era linda, e foi a primeira em que eu encontrei uma Bíblia aberta, se me lembro bem em algum Salmo, que eu li com comoção engrandecida pelas orações que começaram bem no meio da minha leitura, cantadas, ritmadas, afinadas. E os vitrais coloridos. Impossível não haver, num ambiente daqueles, exaltação espiritual das mais sinceras.

O Seminário. Impossível não haver, num ambiente do Seminário que está também no caminho para a Ermida, um verdadeiro desejo de fazer parte. Se eu pudesse escolher, acho que seria católico. Faz algum tempo que olho para as Igrejas Católicas com olhos mais dóceis e felizes: elas estão sempre abertas, acolhedoramente prontas à recepção de quem chegue. E são ambientes tão divinamente simbólicos, tão simbolicamente misteriosos, tão misteriosamente silenciosos... Venho de uma criação evangélico-cristã, dentro da Igreja Batista, uma das mais severas, uma das mais tradicionais. A crítica recorrente da idolatria às imagens me afastou, por muito tempo, de sequer entrar numa Igreja Católica. É impressionante (e lamentável) como religiões tão próximas podem se tornar tão distantes. O mesmo digo do judaísmo.

O Judeu de D'us. Tenho saído com um judeu, o já mencionado Judeu de D'us, e as discussões religiosas que temos, altamente esclarecedoras para mim, me fazem lamentar ainda mais essas separações que podem acontecer. Duas religiões monoteístas, com um mesmo Deus, declaradamente expresso, irreconciliáveis na identificação do Messias. E a novidade de tudo isso para mim é ver que a intolerância pode estar muito mais próxima do que se imagina. Felizmente, as nossas discussões são pacíficas e acabam sempre em sorrisos, quando não em grandes gargalhadas de incredulidade cúmplice.

O candomblé e as religiões afro-brasileiras. Estive envolvido, por outro lado, com um rapaz do candomblé. Meu Deus, quanta dificuldade! Tenho, à parte todo o preconceito engendrado pela ignorância, um verdadeiro temor dos ruídos e representações numerosas das religiões ditas afro-brasileiras, cujas manifestações e sacrifícios, se de fato os há, me chocam tão enormemente a ponto de traçar uma linha que a minha religiosidade não permite ultrapassar. O esforço da compreensão foi inútil, até porque não foi facilitado. E nada se me acrescentou.

Crédito. Estas questões me vêm abertas desde algo em torno de 2004, quando vivi, durante algo como um ano, com a pessoa mais enluarada que já conheci, uma amiga lindíssima, a mais despida de preconceitos que já conheci na vida. Foi ela que, com os seus cabelos vermelhos, me levou a conhecer Joseph Campbell e o livro O Poder do Mito, leitura essencial para o início dessas minhas reflexões, nada conclusivas - nem agora, nem nunca.

segunda-feira, junho 09, 2008

Toda generalização é estúpida.

terça-feira, maio 27, 2008

Admirável expressão que faz o poeta de seu atencioso silêncio

poemitcho do Gregório de Matos (1636? - 1696)


Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.

O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é, que o sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.

Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.

Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro no peito.

sexta-feira, maio 16, 2008

Wanna be my Penguin? O Cosmopolitano.



Crimine quo merui, iuuenis placidissime diuum,
Quoue errore miser, donuis ut solus egerem,
Somne tuis?


Por que crime mereci, ó jovem mais plácido entre os deuses,
ou por qual erro, pobre de mim, que sozinho fosse privado dos dons
teus, ó Sono?


(Estácio, Silvas, V, 4, 1-3)


Este é um dos meus poemas favoritos de Estácio (ca. 40 – 96 d. C.). Está nas Silvas, uma coletânea de poemas de temas diversos, primorosamente escritos e organizados em cinco livros. Escolhi os dois versos e meio acima como mote (o poema todo está traduzido e publicado por mim e pela Fernanda, no link embaixo deste parágrafo) porque, outra vez, escrevo do auge da minha insônia. São quatro da manhã e o Mário (o meu colchão) me viu revirando o corpo desde a uma. Mas nem vou falar sobre isso. Vou falar sobre o quadrinho.

www.geocities.com/scriptaclassicaonline/evertonfernanda.pdf


Já viram esse quadrinho do Pingüim? É bonitinho, neah? Eu o vi pela terceira vez estes dias, numa página de ternete. Acho-o muito charmoso, mas ele sempre me traz umas perguntas tolas: quem está pronto para ser Pingüim?


Conheci um rapaz, faz algum tempo, com quem vinha teclando fazia um tantinho. Saímos para jantar, acabamos indo à casa dele, onde recebi, goela abaixo, um DVD inteiro da Björk. Não, eu não gosto dela. Não, eu não desgosto dela. O ponto a que quero chegar é outro (“hoje você está digressivo, Teeny Weeny”): sem que eu dissesse nada sobre o que queria ou não, esse Santo rapaz me diz que não dá nenhum passo antes que se sinta totalmente seguro. Risos. Amarelos. E constrangidos. Nós nem sequer ficamos. Nem poderíamos: quem quer se aproximar de quem quer exigir os seus quereres sem querer se entregar? Eu não. Quem fala de vida inteira sem partilhar o primeiro toque?


Antes disso, um casal de amigos indiretos se separara (adoro o mais-que-perfeito simples – acho digno). Indiretos porque um dos moços do casal era amigo daquele que retém, ainda hoje, o título de “o meu melhor amigo”, ainda que eu pouco me reconheça nessa amizade ou no pouco que descubro (des)conhecer desse mesmo amigo ("Tiny Ton, digressivo..."). Fato é que, depois de um ano ou mais de namoro, os meninos se separaram. Eu os havia conhecido sorridentes, um com o outro nos lábios para elogios, um com o outro nos olhos cintilantes. Mas eles se separaram... brutalmente. Um deles traíra. Um deles sofreu. Quando soube, eu chorei. Papo de mulherzinha, diria o Cosmopolitano (e se fosse?). Mas chorei, sim. E não foi pouco: chorei de soluçar. No final de um filme triste, ninguém ia notar. O meu “melhor” se constrangeu, pediu licença e ficou me esperando fora da sala de projeção, de onde saí com a cara inchada de uma semana de choro. Mas eu sou egoísta. Não chorei por eles. O pranto era meu e era por mim, pelo modelo que eu havia perdido, pela esperança que deveria ter sido a última a morrer (é da quinta, neah?).




Que lixo de postagem. Oquei. Vou contar uma boa, one for the road.


Isso começou na minha época de UFRJ. Ela era linda. Era jovem, e todas elas são lindas quando jovens. E tinha um namorado-noivo-marido, eu não sabia ao certo. Ouvia falar. E ouvia falar mal: parece que ele era feio. Gordo e disforme, ouvi dizer. Depois vi os dois juntos. Era perfeito.


Pois ele ganhou uma bolsa de Doutorado na Alemanha. Foi-se. E ela deixou-se ficar. Deixou-se ficar no Goethe, onde ela se matava de estudar a língua bárbara e nórdica. “Se eu acertar onde pôr o verbo, já vou ficar feliz!” (Ouvi isso com tanta freqüência antes de imaginar de que se tratava... e agora sou eu quem estudo as posições na frase alemã. Codeloco.)


E depois também ela se foi. Deixou a faculdade, o emprego, os amigos... e foi atrás do seu Pingüim. E voltou junto com ele, que validou o seu diploma e foi dar aulas numa Universidade Pública no interior de um Estado desse Brasilzão de meu Deus. Uma cidade muito quente, eu ouço dizer. Depois dos extremos de frio e neve da Europa... Há quem saiba ser o Pingüim do outro. Mesmo com tanto calor.

quarta-feira, maio 07, 2008

infância e paixões


"Você não acha estranho ter escolhido formar as pessoas e sair da vida delas?"


Sei lá se é estranho. Isso aí quem disse foi uma amiga minha, considerando a profissão que eu escolhi. Essa coisa de ser professor. Ah, porque isso de ser pesquisador acadêmico é só corolário. Levo a sério porque levo a sério que quer que eu faça, mas eu nasci para isso não. Eu nasci foi para dar aula. E a gente é para o que nasce.

Eu tinha cinco anos de idade quando disse que seria professor. E fui. E sou. E tenho sido há dezesseis anos agora. Professor de línguas.

E daí que eu escolhi fazer parte da vida delas e depois permitir que elas se vão? Às vezes elas se vão sem permissão. Às vezes elas não se vão nem a sopetão... O negócio é que eu tinha próximo dos doze.



Por essa época, eu tava descobrindo, como disse a tia Antônia, que eu “gostava mais de meninos que de meninas”. Daí ele veio, do nada, saiu lá do canto de onde eu já o tinha visto me observar, e perguntou qualquer coisa sem importância, a que eu respondi sem dar muita trela. Uns minutos depois, eu estava lá, saracuteando na frente daquela sala aquário onde um grupo de mulheres e uma gay louca faziam uma aula de ginástica. Daí ele pára de novo do meu lado e me chama de “espertinho”. Espertinho por quê? Ah, meu, fala sério. Eu era uma criança. E bota criança nisso...

O nome dele era Alexandre Barbosa, tinha vinte e um anos, se me lembro bem. Mas isso não faz diferença. Podia ser Luiz Augusto, Haroldo-Luana, Ênio-sem-agá-e-com-acento, Míssil Intercontinental, Tigrinho de Pelúcia, Panamericano, Cassoulet ou Judeu de D’us... não faria diferença. Eu era um idiota. E fui. E sou. E nem ligo se continuar sendo. Só fui me dar conta de que ele era lindo porque a minha mãe disse: quem era o moço que estava falando com você? Bonito, ele. Quando a gente é criança, a gente acha que a mãe da gente não mente. A minha não costuma, mesmo.

Mas o auge daquele relacionamento foi uma semana. Depois de várias em que eu o via no horário do almoço porque saía da escola e ia direto pro SESC, onde nos conhecemos e ele fazia o seu tratamento odontológico, eu bolei um súper-húper plano infalível para tê-lo: uma enquete. Eu tinha lido isso num livro (um, aliás, que eu li umas quatro vezes na minha pré-adolescência). Era uma entrevista que a professora de Português teria me mandado fazer. As perguntas eram as mais idiotas que uma criança de onze (doze?) anos podia fazer para um homem de vinte e um por quem ela estava apaixonada. E no final tinha um espaço traçado à régua para colar uma foto três-por-quatro. Que eu consegui só emprestada. Mas que eu guardei comigo, no bolso, por toda a parte, durante a semana... até que precisei devolvê-la. Tudo era mais fácil naquela época. Apaixonar-me era mais fácil. E ter o objeto da paixão era mais fácil: um simulacro bastava.

E nem sei por que contei tudo isso. Deve ser crítica genérica. Destes tempos, destas dores, e destas (faltas de) cores (sim, ando lendo o Murari Pires). Como as pessoas sofrem.

Metafísico na noite em claro. São duas e doze da manhã, e cá estou eu aqui, escrevendo esta besteira pra postar quando conseguir ternete na vida, que hoje eu tomei um golpe de coragem e tirei do meu pupúti (esta é aérea) a placa que tava acabando com o bichinho. Nanete agora só pelos pupútis da Universidade.


Alguém viu o Mário Sérgio por aí?

sexta-feira, abril 04, 2008


Que medo a gente tem de ficar sozinho, né? As carências do ser humano são tão absurdas... É triste acordar cedo num domingo de manhã, olhar o céu nebuloso tranqüilo e plácido e ter em si a agitação da falta. Mas eu sou grato a Deus pela sensação da ausência de hoje. Não há nada pior que o sentimento de culpa e dor que pode causar uma falta que nós mesmos criamos. É mais que dolorido pensar que em algum momento esteve nas nossas mãos tudo de sonhado por anos e anos de leitura de José de Alencar, tão-somente para que a nossa imaturidade desvairada pusesse a perder o bebê, bem precioso, com a água suja, ex-bem, da banheira. Há um conjunto de tirinhas do Calvin e Hobbes...


(Parêntese: Impossível não citar Charles Schulz ou Bill Watterson. Tenho-os na categoria de gênios. Já vejo certos amigos torcendo o nariz, mas pouco me importa. EU me outorgo o direito de dizer o que quiser, sobretudo as coisas que são consideradas grandes asnices, neste espaço NADA acadêmico. Aliás, por isso mesmo eu o criei. Xô, gente chata.)

... em que o Calvin perde o Hobbes. Ah, gente, é muito trsite. Ainda não consegui relocalizar a seqüência de tirinhas (eu tenho as obras completas :O) , mas são três livrões de quase quinhentas páginas cada um); se me lembro bem, o menininho tá voltando da escola, é atacado por um totó (por isso que, de totós, só gosto do Snoopy) e acaba deixando o Hobbes (que é um tigre, daí pode se defender sozinho) para trás. Uma das tirinhas apresenta o pobre do Calvin, sozinho no quarto, sem conseguir dormir, pegado à janela com os olhos fixos na rua, perguntando a Deus, no último quadrinho, se já não era sofrimento suficiente... Qualquer que fosse o erro cometido, ele já tinha entendido que estava errado, já tinha se arrependido amargamente, era a hora de terminar o castigo. Mulher de malandro. Apanha sem saber por quê, mas sabe que mereceu. Estranho isso, né?

Uma última coisa que me vem à mente nesta miscelânea de raciocínios interligados é a de uma afirmativa que ouvi há alguns anos. Ela me veio de uma senhora casada, por quem eu guardo especial afeição. À época, ela morava com os filhos e o marido. O comentário tinha como alvo uma outra senhora, amiga que tínhamos em comum, que era uma solteirona muito bem-sucedida, à época, e que vinha sofrendo algumas dessas múltiplas enfermidades que arrasam a civilização contemporânea, quase todas fruto de alguma manifestação depressiva. "Eu não sei como a Fulana pode estar tão mal... ela sempre foi tão bem-sucedida, tão religiosa, tão decidida..." Este último adjetivo, aliás, sempre foi a marca registrada da Fulana. Ao longo da sua vida, todos sempre a haviam considerado uma mulher de-ci-di-da. E ela o era, de fato. Mas enferma. A minha resposta ao comentário daquela Sicrana sobre a Fulana foi doída, um misto de piedade e compreensão: "Você nunca esteve só".

terça-feira, março 04, 2008

Medos e traumas (provavelmente "parte 1")


Aí pelos meus quatorze anos, ainda no Rio de Janeiro, eu tive a terrível experiência de, saindo descalço do banho, pisar um camundongo, que eu esmaguei de imediato. A sensação da massinha de modelar que faz squash sob o pé, acompanhada de um pequeno ranger de ossos que se quebram não é legal, gente. Soltei um berro tão absurdo, que o pobre do meu pai, uma rua abaixo, ouviu e chegou a casa já todo esbaforido para saber o que tinha acontecido.

Em 2006, assim que voltei de Belo Horizonte para São Paulo, trabalhei durante um curto período na UniABC. Um dia, quando fui comprar um lanche, no pequeno caminho entre o caixa e o balcão, tive a segunda grande chance de esmagar um camundongo. Felizmente, dessa vez, eu estava calçado. Infelizmente, era um tênis de sola não muito grossa...

Foi também nesse mesmo período que eu descobri que a casa onde morava estava infestada dessas criaturas, também na sua versão XL, os ratos e as ratazanas. Foi um período doloroso. Um contrato de seis meses assinado, a imprecisão lenta da dita "Vigilância Sanitária" (as aspas indicam ironia), os quartos de amigos e do meu ficante da época usados de abrigo/refúgio. E ainda tive que ver uma das maiores, inchada, morta embaixo da minha cama antes de eu me mudar daquele inferno de lugar. Foi nessa época que eu conheci uma veterinária maravilhosa ali no Bonfa, uma gravidinha linda, linda, que me deu uma aula de uma boa hora e meia sobre essas criaturas nojentas. Não vou publicar o que sei sobre elas porque estou em jejum para um exame que vou fazer amanhã... é difícil pôr pra fora o que se não tem lá dentro. O fato é que o Butantã estámeio cheio dessa praga para todo o lado, por causa das obras do metrô e às margens do rio Pinheiros.

Quando cheguei de volta ao Conjunto Residencial da USP, para onde me mudei da que ficou conhecida como a República dos Ratos (que agora tem um site... uma piada: http://www.republicausp.com.br/), sabendo dum caso de infestação que havia acontecido no bloco E (onde eu tinha morado durante a graduação), fiquei de olhos abertos e, certa feita, dei de cara com um rato no meu corredor. Isso já no bloco C, onde moro agora. Depois disso, foram dias e dias sem dormir, dormindo com a luz acesa... enfim, reflexos que ainda se vêem hoje. Desde essa época, isso começou a me preocupar. Acho que vou precisar de tratamento. E se digo isso assim, para quem quiser ouvir (ou melhor, ler), é porque sei que sou desequilibrado e o assumo.



Daí que acabo de sair ali para escovar os dentes. Já estava tudo apagado e, quando acendo as luzes da sala, ouço um barulho entre a estante próxima à porta e o sofá. Olho na direção da estante e vejo o pacote de pães bisnaguinhas do Jony no chão, ao lado da caixinha de chá do Régis. Conclusão lógica? Há um rato na sala, muito provavelmente escondido no sofá. E eu liguei para o Jony (que tá ali no quarto dele), do celular; ele saiu do quarto, mexeu em tudo, cutucou e cutucou. Nada além dos rastrinhos que eles sempre deixam, aqueles cocozinhos TM. E eu, com o meu exame marcado para amnhã, simplesmente vou passar a noite em claro. Já comecei a pensar para onde vou me mudar. Alguém tem alguma sugestão?

Nessas horas é quase impossível não se tornar egocentrérrimo e não perguntar "meu Deus... são DOZE apartamentos no corredor... a peste tinha que entrar no meu?"... E eu me lembro também de um idiota qualquer que me disse que há um total de quatro camundongos para cada ser humano no mundo. Ai, Cristo... eu já matei três... será que inda vai ter outro?

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Visões e imagens







Quid... uani terremur imagine uisus?
Lucano, Farsália, III, 38

Por que somos aterrorizados pela imagem de uma visão vã?


A frase é de Pompeu, coitado, ex-esposo de Júlia e agora casado com Cornélia, em luta contra Júlio César na Guerra Civil, que é o tema do poema
Farsália. Ele se questiona o porquê do medo de uma visão que recebeu em sonhos: a ex-esposa morta, Jália, aparece-lhe e prevê a sua morte no campo de batalha.


À parte a minha fixação por sonhos, esta frase tem estado no meu mural há já mais de um mês. Já nem me lembra bem por quê, mas acho que a pus lá para me lembrar com freqüência que o tanto de estrada a percorrer não me deve acabrunhar a ponto de fazer perder o movimento. Isso sobretudo com relação ao desenvolvimento da Dita, enorme como é e deve ser, mas cujas partes a escrever são sempre maiores que as já escritas.


Mas há outras visões que eu temo, outras que eu evito, outras que eu desprezo...

Ultimamente tenho tido visões pouco prováveis, esbarrões com exes e coisas afins. No Carnaval, em BH, estávamos eu e o meu agora ex-namorado andando pelo Centro e dei de cara com um mocinho que tinha sido a minha grande paixão lá, três anos atrás, em 2005. Poucos dias depois, já de volta a São Paulo, almoçando com a minha amiguinha alemã
no Apfel, dei de cara com o que deve ter sido o maior amor da minha vida: o famoso em busca de quem eu vim parar em São Paulo. Da primeira vez que esbarrei com ele aqui, foi anúncio do começo de um namoro; desta vez, parece que o foi dum fim.

Nas visões que eu evito, que eu diga somente - que espanto! - que há cada vez mais bichinhos mortos estatelados pela rua. Meu Deus! quem consegue dormir à noite com a memória de tais visões? Por Cristo... Falando em bichinhos, paradoxalmente, há outros amedrontadoramente amedrontadores que me encantam. Tenho uma conta de email no Yahoo!, e hoje entrei pela página de entrada do .com, onde havia uma foto de um tubarão. A notícia era sobre como o número de ataques tem aumentado, ainda que os pobres estejam cada vez mais ameaçados, e algumas raças já em vias de extinção. Em poucos minutos, estava eu numa página fazendo um quizz sobre os tubarões e o seu papel no hábita oceânico, e logo em uma outra bem-bolada, em que você via fotos de cada uma das raças, devidamente legendadas, e passava à seguinte somente depois de atribuir uma nota à foto vista. Estou indo para a cama feliz. Adoro tubarões! E ainda descobri que as rêmoras nem ficam em volta deles só para se alimentar dos restos de comida que escapam dos dentões dos bichões.

E as visões que eu desprezo são tantas que vou ignorar o tópico. É melhor não se expressar sobre certas coisas, né, Lucy?





segunda-feira, janeiro 28, 2008

O sonho de Ília

Quinto Ênio, Anais, I, 22 (ed. Valmaggi)


excita cum tremulis anus attulit artubus lumen,

talia tum memorat lacrumans, exterrita somno:

“Eurudica prognata, pater quam noster amauit,

uires uitaque corpus meum nunc deserit omne.

Nam me uisus homo pulcer per amoena salicta

et ripas raptare locosque nouos; ita sola

postilla, germana soror, errare uidebar

tardaque uestigare et quaerere te neque posse

corde capessere: semita nulla uiam stabilibat.

Exim compellare pater me uoce uidetur

his uerbis: ‘o gnata, tibi sunt ante ferundae

aerumnae, post ex fluuio fortuna resistet’.

Haec ecfatus pater, germana, repente recessit

nec sese dedit in conspectum corde cupitus,

quamquam multa manus ad caeli caerula templa

tendebam lacrumans et blanda uoce uocabam.

Vix aegro cum corde meo me somnus reliquit.”



Quando a anciã, desperta, trouxe a luz com os membros trêmulos,

é então que aquela, chorando, apavorada com o sonho, conta isto:

“Filha de Eurídice, a quem nosso pai amou,

as forças e a vida agora abandonam todo o meu corpo.

Eis que pareceu que um belo homem pelo ameno salgueiral

arrastava-me por ribeiras e lugares desconhecidos; assim, sozinha,

depois disso, irmã germana, eu parecia vagar

e lenta procurar-te e seguir-te, mas não poder

alcançar-te no coração: nenhum caminho se mantinha firme.

Em seguida, o pai parece com voz alta chamar-me

com estas palavras: ‘Ó filha, antes há algumas tribulações

a serem suportadas por ti; depois, devido a um rio, a fortuna se restabelecerá.’

Tendo o pai dito essas palavras, germana, de repente se retirou,

nem, desejado em meu coração, deu-se a ver,

embora as mãos aos azulados templos do céu

eu, chorosa, estendesse repetidas vezes e clamasse com branda voz.

Com custo, contra a minha vontade, o sonho me deixou.”



Taí. Esse é o texto central da minha dissertação de Mestrado, intitulada "Os 'Anais' de Quinto Ênio: introdução, tradução e notas". Escolhi esse, no fundo, por causa da temática do sonho, que me interessou desde sempre. Aliás, em 2005, quando eu estava em Belo Horizonte, cheguei a começar um curso de interpretação de sonhos com um pscanalista Junguiano, ali perto da Savassi. E também li uns bons trechos da Interpretação do Freud.

Aí, na semana passada, eu sonhei com um sapo, que virou duas cobras. "Maldição, isso, no imaginário medieval", disse-me uma amiga próxima. Shame.