sábado, dezembro 12, 2020

Dezembro e o Advento



 


Descobri no ano passado uma coisa chamada Advento. Na minha definição, trata-se da celebração dos quatro fins de semana que precedem o Natal, num processo de reflexões e devocionais que servem para tornar o cristão mais consciente e mais lembrado da Chegada que se celebra no dia 25 de dezembro. Há também uma história de uma coroa verde que se decora progressivamente com quatro velas que ficam acesas juntas no final do período, simbolizando a Luz que retorna. 

Mais me interessa o processo de devocionais e reflexões meditativo-contemplativas que o período me traz. No ano passado, descobri também os livrinhos (agora três) do Manfred Müller, que são um calendário de Advento. Ele propõe uma canção pop para cada um dos vinte quatro dias, acompanhando cada uma de um comentário reflexivo em tom de bate-papo e um "impulso para o dia", uma espécie de tarefa (mó cara de terapia cognitiva/behaviorismo, etc. Adoro.) No ano passado, li dele Um pedaço do céu (foto), este ano estou lendo Em dias como estes... Para o ano que vem há ainda Vem, deixa-nos viver. E a espera/expectativa de que ele lance um quarto até 2022. E com isso vou revendo This is Us, que é, de longe, a minha série favorita desta década que se encerra.



O marcador de páginas. Na semana passada, aconteceu uma coisa curiosa, mas que acho muito típica de um conceito (que eu acho muito alemão) daqui, quando fui à biblioteca central da universidade buscar um livro que eu havia pedido pelo sistema virtual. 

Umas semanas antes, eu tinha devolvido um livro lá. Tudo é muito automatizado, feito com estantes e computadores, sistemas e funcionários eficientes que você quase nem vê. Pois bem: eu devolvi o tal livro, e nele se foi um marcador querido. Uma besteira, na verdade, um marcador que eu havia confeccionado com recortes de um cartão de um restaurante indiano. Nem me lembro que livro foi, mas provavelmente algo sobre religião, porque tenho tantos marcadores, que sempre escolho um que seja "a cara do livro" para combinar com a leitura. De volta à casa, me dou conta de que tinha esquecido o marcador no livro. Uma pequena tristeza e bola pra frente. 

De volta à semana passada: Quando peguei o livro novo, um que não tinha nada que ver com o anterior, lá estava meu marcador. Isso significa dizer que o bibliotecário que recebeu o livro anterior viu o marcador e pensou (na minha imaginação) "que coisa pessoal". Essa bibliotecária guardou o marcador e o associou ao meu número de cadastro. Quando fiz o meu pedido seguinte, outro bibliotecário teve acesso a esse marcador e o pôs junto do livro do novo pedido. O conceito (que eu acho muito alemão) por trás dessa história é o "alguém perdeu isto aqui... deixe-me facilitar o reencontro do dono". Ele não deixa de me espantar com histórias que vira e mexe aparecem, sempre uma surpresa para quem cresceu ouvindo "achado não é roubado, quem perdeu, foi relaxado"...



O terapeuta novo do vovô. Também na semana passada eu tive uma crise de choro silencioso no meio do dia no meu apartamento. Moro num apartamento muito pequeno, do pós-guerra e com jardins gramados na frente e atrás do prédio. Isso implica o paradoxo do silêncio imenso (de esperar entre os jardins) no meio do ruído que é ouvir quase tudo o que se passa em pelo menos quatro dos apartamentos à minha volta, porque as paredes não são grossas (como as de hoje, planejadas para manter o frio lá fora). Como passo quase o dia todo em casa, às voltas com meus estudos e a redação da Tese, acabei me acostumando ao ritmo do prédio, aos movimentos e sons dos vizinhos. E também porque eu sou fofoqueiro mesmo, minha avó era fofoqueira e minha professora do Latim V me ensinou (ela disse isso em aula, gente, juro) que "a fofoca move o mundo". 

Dos muitos movimentos, há os que duram a manhã e o começo da tarde, que são os terapeutas que vêm atender ao vovô do apartamento do lado. É um casal lindo de viver, imagino que com oitenta e tantos. Ele sofreu um acidente faz mais que um ano e permanece na cama desde então. Eu conheço dois terapeutas: uma senhora barulhentíssima, que fala muito alto, e um rapaz enorme, de 1m90-e-muitos, que nunca ouço no apartamento, mas ele sempre chega e parte gravando áudios quando passa embaixo da minha janela. Ruídos e barulho são coisas que me incomodam deveras, mas esses me alegram porque foram criando em mim um observatório do bem-estar na casa dos vovôs. A senhora, por exemplo, é um oásis, porque é o único momento em que ouço os vovôs, que são muito discretos e silenciosos. Mas ela é espalhafatosa e parece estar sempre de muito bom humor; se não se ouve com clareza para definir o que vai sendo dito, dá pra notar bem o clima de alto astral que se cria quando ela está lá. 

Pois na semana passada me brotou um terapeuta novo. A sessão com ele foi rápida, mas nenhuma me foi mais incômoda. Eu ouvi uma contagem muito ritmada de um a dez e, entre cada número, um gemido dolorido do vovô e um "muito bem, é assim mesmo, vamos lá" do terapeuta. Nunca tinha ouvido o vovô gemer. Ele tosse. Ele não geme, ele não reclama. Não numa altura que se ouça daqui. Mas a sessão foi rápida, pra benefício da minha própria saúde emocional. Não sabia se ficava feliz, porque a julgar pela intensidade do exercício, o vovô deve ter progredido bem, ou se triste com tanta dor aparente. Quando o terapeuta saiu (dá pra ouvir a despedida da vovó na porta na frente da minha e depois a porta da saída lá embaixo batendo), eu corri pra janela pra ver quem era o novato. Nem era: lá ia ele gravando seus áudios. De alguma forma, por algum motivo, meu coração se acalmou, só porque esse não era um terapeuta novo forçando um exercício pesado; era o mesmo terapeuta de sempre, que (de novo: na minha imaginação) ia assegurando um passo à frente, exigindo um pouco mais de esforço.