terça-feira, março 15, 2011

Sísifo


Com uma caneca de chá na mão, o barbantinho pendurado no canto, ele se deixa mesmerizar pelo nada que se enxerga pela janela, do outro lado da chuva que escorre em grandes gotas pelo vidro. A mão esquerda se alterna entre a tarefa de segurar a caneca em auxílio à direita, que detém a asa, e a de acariciar o gato branco, de olhos claros como os seus, que se põe a seu lado e ronrona, fazendo sinfonia com os ruídos da chuva. Tudo convida ao sono.

Menos a angústia. Terminado o chá, ele relê Os dragões não conhecem o paraíso, companhia que se tornou uma espécie de obsessão desde que foi deixado pelo último namorado. Luta com as palavras, identifica-se com o seu autor; busca nas linhas uma explicação que vá além – como é possível que algo tão bem construído, ou que ao menos assim se julgava, possa ruir, de uma hora para outra, como se de mera construção de blocos infantis se tratasse? Então tá, o cara diz que te ama e, de repente,

Tosse. De novo, a tosse, expressão chocalhada da saúde frágil quanto tem sido nos últimos meses. No banheiro, pensa em como havia sido relapso com a sua saúde, como ele mesmo gostava de frasear, e põe para dentro, com uma careta, os comprimidos da noite. Diante do espelho do armário, repara nos fios de cabelo que já estão brancos e calcula a próxima ida ao cabeleireiro, quando, então, uma vez por mês, ele os tinge.

Senta-se na cadeira recém-comprada, preta, observa uma falha na pátina, compara-se a ela. O tempo passou, também ele teve suas falhas, o tempo passou, também o seu brilho se ofuscou... o tempo passou. Tem idade para ter um filho formado em Medicina, o curso que talvez ele mesmo tenha querido fazer quando se matriculou na faculdade. Ocorre-lhe que este deve ser o trigésimo ano de profissão. O gato salta-lhe sobre o colo, fazendo-o acordar desse letargo contínuo; ele então se levanta, escova os mais-brancos dentes, belo resultado do último clareamento, e vai para a cama, grande, fria e vazia. Tudo convida ao sono.

Amanhã, mais um dia de trabalho, dos que se iniciam às sete e meia da manhã e não terminam antes das sete e meia da noite.

sábado, março 12, 2011

Postagem estilo Severo

Difícil lidar, às vezes, com o nosso queijo mexido. Acordei, fiz minha devocional, li um trecho da Eneida em latim, estudei um pouquinho de língua, pensei atividades pro Latim 2, pus roupa pra lavar, pendurei, tomei banho, me arrumei, saí. O percurso previsto era banca-restaurante-lan. A banca de perto de casa já estava fechada, e eu andei, então, até à da Padre Café, onde tinham o CD do Chico, mas não O Globo do sábado. Tenho comprado O Globo sempre aos sábados, desde que descobri nele um caderno chamado Prosa e Verso. Continuei o caminho até à banca da Morais e Castro; de lá, até a do Bom Pastor, na rua das escadarias; de lá, até à padaria da Rio Branco: é que, há muito, quando costumava comprar o Tribuna de Minas aos domingos, se a banca de perto de casa estava fechada, essa padaria sempre tinha. Acho que os jornais saem menos nas padarias. Bem, eles tinham O Globo de hoje.



Sáááááááábado de Sol! Acho que nunca fui tão feliz de encontrar um jornal.