domingo, julho 19, 2009

Metalinguagem





ou Metapoesia

ou enatividade.blogspot.com

ou O Blóguite do Everton

ou eu-Penélope



Teço textos como quem vive.

Tramo estórias com a lividez de quem chegasse ao fim.

Entranço palavras e crio a expressão como quem degusta com os olhos.

Urdo o silêncio expressivo de entrelinhas loquazes como quem sussurra um segredo.

Costuro referências que se reencontram como quem revisita sentimentos.

Remendo passados como quem recria o mundo, nas letras.

Arremato a vida no correr da pena, como quem corrige a si mesmo, caneta verde em punho.



Imagem: Frigga spinning the clouds, J. C. Dollman

terça-feira, julho 14, 2009

Uma aventura de piratas sob encomenda


Faz hoje uma semana que ele partiu. Quando ele veio, o Caçador e o Mensageiro já o haviam anunciado. Por um ruído do transmissor, eu havia compreendido que o seu nome era Pedro, pedra, mas podia ter sido Davi, duvidoso, só que nem era. O seu nome era outro, um que ele me revelou mais tarde, em segredo. Adoro segredos.


Bem, o fato é que eu estava preocupado com a sua chegada. Nunca imaginei que eu, um reles professor de línguas, fosse um dia conhecer um pirata. Eu tive muito medo, no começo. Eu o desenhava com tapa-olho, espada, perneta e com um papagaio falante, e qual não foi a minha surpresa quando ele apareceu, à minha porta, numa quinta-feira, com a bandana vermelha de sangue, tapando o olho esquerdo, uma roupa rota e nenhum animal falante no ombro. Uma capa gasta, puída, com buracos e rasgos. Nada manco, mas com botas também gastas. Era como se a roupa não importasse muito, e daí eu comecei a compreender que o mito se faz de essência, não de aparência. E sem espada.


E, meu Deus!, ele era lindo. Fascinante, isso, é essa a palavra.


Disse-lhe que tirasse a bandana. Ele tinha vindo para isso, para que eu lhe curasse a ferida. A visão lhe era turva e ele compreendia ainda muito pouco do que se tinha passado. Logo vi que a ferida tinha-lhe sido infligida por um sofrimento moral, espiritual até, talvez, e eu sabia bem que isso se curava com rezas, mezinhas e afeto. Sem afeto nada se cura. Ele era recluso e tinha medo de se abrir, e eu tinha medo da imagem que sempre me fizera de um pirata.


Uma vez eu o vi, na calada da noite, conversar com o Mário Sérgio. O Mário Sérgio é, em geral, bastante reservado. Fala pouco, fala com poucos. Mas é excelente conselheiro. O papo era fluido e eu me disse que o Pirata devia ser confiável. O próprio Mário Sérgio se pôs na sua cabeça, por vezes, agarrando-o com as unhas, e esse mesmo tigre tão feroz ficou dias agarrado ao computador depois que o Pirata partiu, como que guardando o posto onde por último ele tinha sido colocado, como que aguardando uma mensagem que declarasse que o Pirata retornaria.


Um dia eu compreendi umas linhas de raciocínio do Pedro, o Pirata. Ele tinha comentado que gostava de desenhar, mas tachava os seus próprios desenhos de rabiscos. Olha... eu o vi "garatujar" uma vez, e tamanha expressão tinha pouco de rabisco, muito de encantamento. O poder do risco. Entendi que estávamos juntos e de corpo e de alma quando ele me desenhou, um dia, e o meu retrato era diferente de todos os outros. E não só pelos desenhos ele se experessava: ele também contava histórias. Como ninguém. E sabia histórias e Histórias. Certa feita, fez-me apontar para um país aleatoriamente, num mapa; selecionado o país, ele me contou a História daquele povo, ricamente influenciada e determinada pela sua geografia. Contava histórias que sabia, criava as que não existiam.


Um mês se passou. Era a hora de acabar com o segredo: eu tinha vivido na sua vida por algo em torno de trinta dias, eu que tinha sido descrito assim, no seu "caderno masculino de anotações pessoais" (porque a palavra "diário" teria soado muito feminil para um pirata):


Mas agora... agora eu tenho um segredo. Um segredo bom, mas que me fez chorar muito. E olha que é muito difícil me fazer chorar.
Bem, eu só estou escrevendo isso para dizer mesmo.
Para dizer que eu realmente precisava de um amigo agora.


E o segredo terminava ali, com a minha retirada. Eu precisava partir para Hinée, uma cidadezinha cinzenta e portuária, onde havia um lago com um monstro, onde homens vestiam saiotes e as mulheres tocavam um instrumento de sopro. Mas eu parti mudado: aprendi que um nome revela os seus semas de acordo com o contexto: o Pirata que eu conheci revelava no seu nome os semas de "liberdade" e "aventura", eu soube, porque ele nunca me aprisionou, como podia ter feito (e como talvez eu mesmo tenha querido), nem nunca deixou de viver a sua vida por causa da dor que o olho ferido lhe causava. Quanto ao tesouro que todo pirata busca, não sei se ele o encontrou enquanto estivemos juntos, ele nunca o mencionou. O que sei é que, após o tratamento que eu ministrei, bandana branca e capa refeita, a sua visão já não era a mesma.






Ei, você aí que leu a minha estorinha e agora balança a cabeça, dizendo que "isso não é uma aventura de piratas", preste atenção! Não escrevi este texto para agradar a você. E se você de fato acha que receber um pirata na sua casa não é nada demais, eu te desejo boa sorte. Humpf.

domingo, julho 12, 2009

Agora


Agora eu ouço Halo continuamente. Com um som de It's all coming back to me now ecoando ao fundo. Monomaniacamente.


Agora eu olho para a luz do Sol que passa por entre os galhos das árvores e observo as nuvens de algodão branco lá longe -- e penso na poesia fotográfica que tudo isso pode se tornar com um clique.




Agora tudo brilha e tudo ri. Hoje acordei atrasado. Fui pro SESC de Pinheiros, como faço aos sábados e domingos, para a minha aula de hidroginástica... perdi a primeira sessão, fui pra segunda. Nem gosto muito da segunda, sempre cheia... muita gente. Cheguei lá, meu exame dermatológico tinha expirado... Como cheguei em cima da hora, não dava tempo de refazê-lo antes de entrar pra piscina. Aula perdida. Resolvi ir almoçar. Na fila, vejo que hoje era o último dia de cartaz de As Troianas, que eu queria muito ver. Mas eu me distraí, e os ingressos já se haviam esgotado. Mas eu não me importei, tudo brilha e tudo ri. A paixão não é assintomática quando chega. Nem quando volta.


Agora eu rio, danço e choro diante da hebecã (gracinha!...), com a naturalidade de quem vive à parte. Um balé muito meu, com gosto de reconquista e cheiro de café forte passado em coador de pano. E, enquanto ajeito o foco da câmera, olho de esguelha pro feijãozinho que plantei. Um pé de feijão.


Agora eu espero a hora certa, com a sensação gostosa de que ela vem. "Estou de obrigação." Olho pro telefone celular e os sms me trazem sorrisos que vão de orelha a orelha, os telefonemas me trazem sensações diversas.


Estou de obrigação.
Entendo que o tempo passou e que ele me ajudou a maturar, que me ajudou a processar medos e incertezas... Abrir um parágrafo com "estou de obrigação" deve ser indício disso... Espero que o mesmo tempo tenha ajudado a me tornar o homem que eu precise ser.

Cíclico... crítico... cítrico?


I pray it won't fade away.