sexta-feira, dezembro 31, 2021

 

 

Lista de 2021


1) 23/2 – Da geht einer, Susanne Bienwald

Este livro e os que numerei 4), 6), 10), 11), 14) e 16) foram as leituras do curso Literaturvergnügen am Vormittag: Literatur aus Hamburg (algo como “Apreciação literária antes do almoço: Literatura de Hamburgo”... rs). O curso, tanto quanto seu título tinha de pomposo e cafona, teve de adorável. A professora (mais mediadora de discussões que outra coisa) era incrivelmente capacitada para fazer todos participarem, as aulas foram sempre muito agradáveis e vivas. Círculos de leitura foram realmente um prazer constante deste ano.

2) 25/2 – The Wizard of Oz, L. Frank Baum

Uma leitura que queria fazer havia muito tempo e que fiz este ano na companhia da minha amiguinha #WL. Tinha resolvido que deste ano não passavam este título e o Drácula do Stoker... mas o segundo passou.

3) 1/3 – Der Gedankenspieler, Peter Härtling (com audiolivro)

Este foi de um curso (também em formato de círculo de leitura, mas com mais intervenções formais do professor) que, infelizmente, foi interrompido pelo coronadrama. O professor era um vovô, professor de literatura já aposentado, e 80% do público eram compostos de vovós que eu adorei ouvir. O curso foi cancelado antes mesmo da metade, e eu resolvi concluir a leitura do livro com estudo da língua, usando o audiolivro como recurso didático, outra coisa que curti bastante fazer com meu alemão este ano.

4) 9/3 – Der Untergang, Hans Erich Nossack

Bem impressionante. Numa outra postagem há uma citação dele.

5) 12/3 – Das Zauberhafte Land Oz, L. Frank Baum, Eric Shanower, Scottie Young, übersetzt von Bernd Kronsbein

6) 20/3 – Die Vogelwelt von Ausschwitz, Arno Surminski

Bonito, triste, poético. Um dos meus três favoritos do curso que mencionei em 1) (sendo 4) e 10) os outros dois). Provavelmente o primeiro lugar entre os três.

7) 28/3 – Der Zauberer von Oz, L. Frank Baum, Eric Shanower, Scottie Young, übersetzt von Bernd Kronsbein

8) 6/4 – Ein Taschenkrebs und ein Känguru, Joachim Ringelnatz – ausgewählt und illustriert von Friedel Schmidt

Uma das coisas legais com que me presenteei este ano foi um calendário de mesa com folhinhas que têm, diariamente, dicas de literatura. (Calendários são uma mania – diria eu – por aqui. Há de todos os tamanhos, preços, temas e para todas as necessidades.) Numa dessas folhinhas conheci o Ringelnatz (poema O Welt in einem Ei), por quem rolou paixão à primeira vista. Isso gerou esta leitura e a de 19), além do plano (ainda não realizado) de uma visita ao museu dedicado a ele ali em Cuxhaven.

9) 7/4 – Die Smaragdstadt von Oz, L. Frank Baum, Eric Shanower, Scottie Young, Jean-François Beaulieu, übersetzt von Gerlinde Althoff

10) 22/4 – Die Glücklichen, Kristine Bilkau

11) 11/5 – Liebesarten und andere Geschichten vom Leben, Ulla Hahn

12) 14/5 – Götter-Yoga, audiolivro, Katharina Middendorf & Ralf Sturm, gelesen von Katja Schild

Essa foi minha reintrodução num mundo que fez muito parte do meu cotidiano nestes últimos meses: a Índia (a comercial, que nos chega pelo cinema, pelo Netflix, pelas apresentações de danças clássicas, pela India Week de Hamburgo, por documentários lindos e chocantes como o do Louis Malle) e a mitologia hindu. Retomei então o Mahabharata pelo filme do Brook e 25), 27) e 28) foram outros pontos de parada dessa jornada.

13) 24/5 – Die Straβe nach Oz, L. Frank Baum, Eric Shanower, Scottie Young, Jean-François Beaulieu, übersetzt von Bernd Kronsbein

Outra coisa que li bastante este ano foi graphic novel. Várias foram as lindas adaptações de Oz com o traço fofo do Scottie Young (5), 7) e 9) na tradução em alemão), das quais ainda tenho duas ou três pra ler aqui, no original em inglês. Cheguei mesmo a me inscrever num minicurso sobre graphic novels, parte de um evento literário do sul de Hamburgo. Ele acabou sendo cancelado, mas li 20) ainda assim, seguido de 21) que foi presente do meu irmão caçula mais querido.  

14) 25/5 – Grosse Freiheit, Rocko Schamoni

Cansativo. Foi leitura do curso. Bem mais interessante foi o documentário sobre o mesmo gigolô que deu origem à personagem principal do livro, Wolli Köhler. O filme é de Gerd Kroske (de quem também assisti Die Stundeneiche, sobre uma árvore em Berlim e sua sobrevida como objeto artístico) e se chama Wollis Paradies.  

15) 1/6 – The Wizard of Oz, Salman Rushdie

16) 13/6 – Onde andará Dulce Veiga?, Caio Fernando Abreu

Para o último dia do curso de literatura em 1) estava previsto um passeio por pontos “turísticos” relacionados a literatura em Hamburgo. Com a coronacrise, passeios com mais de cinco pessoas (acho que era esse o número na época) foram proibidos, e a programação foi alterada: cada aluno teve a liberdade de apresentar o que vinha lendo ou seu livro favorito, se o quisesse. Resolvi ser óbvio e atender às expectativas que supus existirem, de que o brasileiro apresentasse algo de seu país. Descobri que o romance do Caio estava traduzido pro alemão (em duas ou três versões diferentes, pasmem) e reli o livro. Numa pesquisa de bibliografia, descobri 17) e 18) na universidade, dos quais li trechos, além de várias resenhas do romance em alemão. Foi um trabalhinho divertido, esse seminário.

17) 27/6 – A ficção na pós-ditadura, Milena Mulatti Magri (excertos)

18) 6/7 – Utopias of Otherness – Nationhood and subjectivity in Portugal and Brazil, Fernando Arenas (intro + cap. 2 & 3)

19) 23/7 – Text + Kritik 148 – Joachim Ringelnatz, alguns ensaios (Korte, Oerke, Gernhardt, Möbus, Schmidt-Möbus)

20) 28/7 – Goldjunge – Beethovens Jungenjahre, Mikael Ross

21) 2/8 – Daytripper, Fábio Moon & Gabriel Bá

22) 12/8 – Stille, ein Wegweiser, Erling Kagge aus dem Norvegischen von Ulrich Sonnenberg

Outro curso que frequentei este ano foi “As dimensões do silêncio”, que teve justamente o livro de Kagge como mote, mas em que se leram muitas outras coisas, entre filósofos como Byung-Chul Han e poetas como Goethe, Rilke e Baudelaire. 24) também foi leitura deste curso, e o conto (?) Le silence de la mer de Vercors, num livro com outros textos que eu ainda estou lendo. Com o mesmo professor deste curso fiz “Hamburg liest Borchert” e me reencontrei com o autor de Drauβen vor der Tür (de que comentei em outra postagem por aí) em muitos curtos textos, os que listei em 26).

23) 25/8 – Le dernier amour du président, Andreï Kourkov, trad. Annie Epelboin

Esta história começa com uma folhinha de calendário. O mesmo calendário que mencionei em 8) e que trazia uma resenha com foto da capa de um livro de um ucraniano. A história era de um funcionário público andante que coletava dados pro censo, acho, e ia nesse caminho conhecendo pessoas e suas estórias estapafúrdias – como em geral são todas na Ucrânia (diz o próprio autor, se entendi bem). Com uma rápida busca nanétchi, descobri que o livro era parte de uma trilogia, originalmente escrita em russo, mas já traduzida para o alemão. Por essa época, eu estava querendo ler algo em francês, então fui procurar a tradução francesa dos três títulos, só pra me frustrar loucamente com a notícia de que não estavam disponíveis. Virou um “projeto” (já falei dos meus projetos em outra postagem; resumidamente, é um nome bonito que arranjei pras minhas obsessões de leituras e descobertas triviais que se encaixam e vão formando um fio – frequentemente longo – cuja lógica só eu entendo – às vezes).

Dei uma olhada na lista de publicações do autor. Das que estavam traduzidas para o francês, pensei em ler o livro do pinguim, que parece ter sido um grande sucesso. Também uma trilogia. Vá lá; tinha mais ou menos me convencido, mas tava valendo. Quando fui encomendar o livro, descubro uma editora que oferece os três numa caixinha (de colecionador?) pelo preço de um. Mas o primeiro volume tinha indicado um número de páginas bem diferente do que eu via em todos os outros anúncios de livrarias. Encanei. E, no fim das contas, eu queria mesmo era ler o livro do tal funcionário viajandante e as personagens louco-escalafobéticas. Para encurtar uma longa história (porque ela ainda durou muitas buscas e listas de prós e contras e decisões incertas e resoluções finais modificadas várias vezes), me decidi pelo título em 23), porque eu não tava a fim de ler 300-e-bolota páginas de russo em alemão.  

24) 31/8 – Le silence de la mer – A film by Jean-Pierre Melville, Ginette Vincedeau & Rui Nogueira

25) 15/9 – Peter Brooks Mahabharata, DVD-Heftchen

26) 6/10 - Borchert: leitutras várias. Erzählungen/kurze Texte – Die Hundeblume; Generation ohne Abschied; Bleib doch, Giraffe;  Stadt, Stadt: Mutter zwischen Himmel und Erde (Hamburg, Billbrook, Die Elbe); Mein bleicher Bruder; Jesus macht nicht mehr mit; Die Küchenuhr; Nachts schlafen die Ratten doch; Das Brot; Die Kirschen; Das ist unser Manifest; Schischyphusch; Die drei dunklen Könige. Gedichte – Laternentraum; In Hamburg; Legende; Muscheln, Muscheln; Hamburg; Hamburg 1943; Moabit; Der Kuckuk; Frösche; Den Dichtern; Ich bin der Nebel. Rezension – Kartoffelpuffer, Gott und Stacheldraht.

27) 7/11 – Indien. Alltagsleben, Traditionen, Begegnungen. Reise Know-How. Kulturschock, Rainer Krack

28) 15/12 – Peter Brook and The Mahabharata: Critical Perspectives, edited by David Williams, do qual li os seguintes textos:

1. The great Indian epic and Peter Brook, Vijay Mishra;

2. A narrative synopsis of The Mahabharata, David Williams (?)

3. The great poem of the world: a descriptive analysis, David Williams

4. Energy and the ensemble: actors’ perspectives – excerpts from interviews with Andrzej Seweryn, Vittorio Mezzogiorno, Mallika Sarabhai, Sotigui Kouyate, and Yoshi Oida.

Da última dessas entrevistas é que cito este belo trecho:

[...] to understand that there are three aspects of language and delivery. First, muscularity; second, the exchange of information; and third, the magical energy at the heart of something like a mantra. When I speak in my mother tongue, I sometimes forget its musicality and energy. In a foreign language, on the other hand, I pay much more attention to these two aspects. In our work we endeavour to override the reduction of language, its diminishment uniquely to the level of intellectual informational exchange. When language is charged with energy, theatre is invested with a greater richness.  

29) 24/12 – Komm, lass uns leben – Mit 24 Songs durch den Advent, Manfred Müller

30) 24/12 – Nova antologia poética, Mario Quintana

31) 28/12 – Fasting for Ramadan: Notes from a Spiritual Practice, Kazim Ali

sábado, dezembro 25, 2021























O Deus vivo

      ~ Mario Quintana



Deus não está no céu. Deus está no fundo do poço

onde o deixaram tombar.

 

— Caim, o que fizeste do teu Deus?!

 

Suas unhas ensanguentadas arranham em vão as paredes escorregadias.

Deus está no inferno...

 

É preciso que lhe emprestemos todas as nossas forças

todo o nosso alento

para trazê-lo ao menos à face da terra.

 

E sentá-lo depois à nossa mesa

e dar-lhe do nosso pão e do nosso vinho.

 

E não deixar que de novo se perca.

Que de novo se perca... nem que seja no céu.   

 

domingo, dezembro 05, 2021

Love and Heartbreak are Fuck Buddies

 

love and heartbreak are fuck buddies who sometimes text each other at 10 in the morning. today, love asks: is this what the living do? as he tries to shit but can’t because he doesn’t eat enough fibre or exercise regularly. it’s the little things that’ll kill me, he adds. heartbreak responds, ignoring the first message: you emptied your body into the floorboards of me. they creak when i am lonely. if i am a haunted house, then let’s make up a theory of negativity that notices the utopian pulse of sad stories like ours. well fuck, love types out. he deletes it. he sends a selfie with the caption: how’s this for a theory of negativity? heartbreak laughs. true, he quips. love doesn’t respond right away. he thinks there is something queer about leaving loose ends untied. love is a native boy from northern alberta who decided almost everything he does is an attempt to repair the brokenness-of-being that is indigeneity. last month, love fucked a security guard in the basement of a parkade at midnight. locking the door behind love, the security guard joked, don’t worry, i’m not going to kill you or anything. love wonders if it is the possibility of being killed that partly animates his desires. that’s fucked up, heartbreak tells love when love tells him this story. love hypothesizes that the parkade basement might be a metonym for the world. heartbreak thinks out loud: how do you know when the world is not that basement anymore? love answers: my kookum and mooshum don’t use pronouns or proper nouns to address one another: they made their own language. that is how.

From This Wound is a World by Billy-Ray Belcourt

sábado, dezembro 04, 2021













 Eu e o russo


Faz alguns dias, ouvi de um amigo: “Sempre me impressiona a sua capacidade de se encantar continua e renovadamente pelas coisas”. O comentário veio depois de eu contar da minha descoberta da madrugada anterior, uma lista longa de mais de vinte e cinco cursos de russo que conjugam língua e temas da cultura russa atual, em plataformas diferentes. Essas novas possibilidades me deram mais ânimo pro atual A2.


Ao contrário do que poderia supor quem sabe de uma paixonite que tive por um russo em 2019, minha história com a língua começou graças a um contexto acadêmico ainda nos idos da graduação na USP. Já não sei o que veio primeiro, se a análise de Ovídio ou a Semiótica. Uma das minhas paixões do final da graduação foi a semiótica francesa, a greimasiana, que ainda uso, ainda que menos diretamente, como abordagem de leitura textual. Se bem me lembro, cheguei a fazer um curso na graduação e três na pós sobre o assunto. Num desses, apresentou-se um histórico da disciplina e falou-se na “escola russa”. Me lembra ter comprado um livrinho sobre o assunto, mas ele nunca foi lido. A língua russa começava a se criar no meu imaginário. Num outro livrinho, chamado Semiótica russa, daquela conhecida coleção da Perspectiva, li o artigo de um Checheglov sobre as Metamorfoses de Ovídio e fiquei encantado. Por essa época também havia uma professora de Latim na USP que, segundo um conhecido meu, “falava russo como uma russa”— o que, na minha imaginação adolescente, significava dizer que ela tinha acesso a um mundo de bibliografia a que nenhum outro professor da área tinha. E eu pensava como isso seria maravilhoso. Como alguns anos depois, por volta de 2006, quando me resolvi por Sílio Itálico como autor de estudo pro Doutorado, ficou determinado que eu precisava estudar alemão, resolvi que o russo seria minha última língua da vida, “minha ocupação da velhice”, como disse muitas vezes e, pasmem, nunca em tom de brincadeira. Minha ideia era fazer o doutorado na Alemanha e, enquanto estivesse aqui, fazer cursos de imersão ou intercâmbio no país vizinho. Uma digressão rápida: Antes de conhecer Peterlini, professor de Latim da USP, falecido há poucos anos, eu achava que passar de uns 46 anos já era ser muito velho e que viver até uns 45 já me bastaria. Foi só depois de fazer um curso com ele, que à época tinha lá seus setenta-e, que eu resolvi que viver mais anos talvez fosse interessante, se fosse pra me tornar algo como o que eu via ali naquela imponência.   

Comecei a estudar russo em 2017, depois de uma negociação comigo mesmo. Por uma diminuição na minha carga horária de trabalho em sala de aula, cheguei à conclusão de que tinha algumas duas-três horas semanais que eu podia dedicar a um dos meus esportes favoritos: aprender algo novo. A primeira escolha foi voltar à Música. Não colou. Alguns meses depois, passadas duas tentativas frustradas, uma numa escola de música moderninha que exigia um semestre de introdução teórica num curso cheio de cirandas, percussão corporal, canto em conjunto e outras torturas que tais a cada aula, e outra com uma professora particular de piano, desisti. Tocar piano foi um sonho do começo da adolescência; esse momento me tinha escapado. Com quase quarenta, já não tinha vontade da disciplina que esse aprendizado exigia. A segunda escolha, mais óbvia e muito desejada desde-desde, seria uma nova língua, obviamente o russo. Mas eu tinha medo de me enredar no encantamento e dedicar tempo demais, o que eu não tinha, a essa nova (que eu ainda cria que seria a última) conquista linguística.

Meu livro atual tem doze lições, e eu entrei no ritmo de uma meta autoimposta de uma lição por mês, para acabar o A2 no fim do ano. Isso foi motivado por uma postagem num blogue qualquer desses apps de línguas estilo Babbel, Memrise, Duolingo ou que o valha, em que o autor discutia o que julgava serem elementos fundamentais para uma aprendizagem de sucesso. Entre as considerações bastante razoáveis do texto, “ter uma meta” foi uma que me pareceu fazer sentido e vir faltando à minha empreitada com o russo. Como a Tese estava praticamente concluída, podia então (isso era julho, creio eu) me dar ao luxo de pensar algo do tipo. Daí o planejamento de uma lição por mês. Corolário disso: descobri a lista de 25+ cursos (todos online, sem presença nem tutor) de um instituto de línguas asiáticas daqui (em Bochum). Os temas são maravilhosos! Dois somente são em nível de A2, e o plano é fazer ambos no primeiro semestre de 2022: “Rússia 360 graus” e “Rússia: primeiros olhares”. Isso sem contar um de A2 pelo Coursera... E os livros do B1 já estão comprados.   

O meu primeiro semestre de russo, lá em 2017, eu dediquei a cinco lições de um curso online de uma rede de TV da Rússia (RTD, estilo Deutsche Welle e TV5) e a uma dezena de lições (de um outro site) que esmiuçavam o alfabeto e o som das letras, com explicações fonéticas detalhadas e introdução de pequenas frases do tipo “Isto é uma rosa, uma banana, um guarda-chuva”. Depois disso, um semestre no curso de russo oferecido pela Volkshochschule dentro da Universität Hamburg. O professor era bom, e eu adorava receber o link semanal com uma música pop do momento e aqueles clipes coloridos e doidos, mas eu detestava a turma e não me adaptei ao ritmo muito intensivo do curso. Tive sorte: encontrei na Volkshochschule fora da universidade uma professora maravilhosa, muito didática, com um ritmo que era o extremo oposto do que eu tinha encarado antes. Duas lições por semestre. Dava tempo de fazer todos os exercícios, entregar trabalhinhos e estudar as correções, uma tranquilidade só. Fiz todo o A1 com ela e cheguei mesmo a começar o A2, também com ela, até a coronacrise chegar.

Usei também minhas táticas loucas. Como ser estudante me dava 50% de desconto nos cursos, teve um semestre em que me inscrevi no A1.3 (que eu já tinha concluído) e no A1.4 ao mesmo tempo. Como cada curso tinha apenas um encontro semanal, eu passava a ter duas aulas por semana, uma de revisão e outra de progressão. Também arranjei uma Tandempartnerin, uma companheira de intercâmbio linguístico, com quem eu trocava “aulas” de alemão por “aulas” de russo. Uma russinha fofa que se tornou uma amiga querida. Ficamos nesse troca-troca por uns bons dois anos e algo, até os horários não baterem mais. Agora tenho duas outras, uma da Letônia e uma da Ucrânia, e estou me debatendo com o livro, atrasado que estou, no fim da lição nove, querendo dar conta do A2 com urgência – mas sem pressa.  

PS: Terminei este texto hoje, mas ele já tinha sido iniciado no primeiro semestre. Embaixo dele, descobri este:


Varia/Drops/O que me move neste momento

Ganhei de uma amiga um calendário lindo com imagens aquareladas de baleias e propostas de reflexão, trabalho conjunto de uma artista chamada Estela Miazzi, uma psicóloga chamada Júlia Ramiro Belintani e uma designer gráfica chamada Manuela d’Albertas. No mês de julho, há uma silhueta que nada sinuosamente, talvez um cachalote, talvez uma jubarte, e sob ela: Ando com vontades grandes, pesadas e silenciosas, vontades que às vezes não cabem em mim, que as vezes quero minimizá-las. Vontades lentas, vontades de baleias. É assim que eu ando.

Tive dificuldade para dormir nas duas, três últimas noites. Uma coisa que faço para relaxar é fuçar coisas aleatórias nanétchi, descobrir coisa nova, trívia e novos caminhos de aprendizagem, criar vontades novas. E elas acabam se tornando imensas. Entre as muitas coisas dos últimos dias, descobri uma escola russa (Russificate), cuja página se me apresentou em francês, com cursos de/em russo, muitos sobre os temas mais variados (literatura, música, arquitetura, mitologia eslava...). É diferente da escola que eu já conhecia em Bochum (LSI), porque esses cursos são síncronos, com aulas reais e professores. E então que quero que meu russo chegue ao nível de poder fazer esses cursos, ao mesmo tempo em que quero curtir essa fase de não saber falar quase nada e de ter a certeza de que cada frase tem dez erros — o que é um alívio, porque a certeza do erro me libera da busca exaustiva de tentar não cometê-lo, minha fase atual no alemão.

Descobri também uma espécie de novela indiana que faz a narrativa de todos os ciclos míticos de que participa Ganexa. São já 900-e-blau episódios, e eu estava feliz vendo tudo com aquelas legendinhas autogeradas em inglês, quando, no terceiro episódio, elas desapareceram. Frustrado, vi o terceiro episódio inteiro em algo que julgo ser híndi, sem entender nada. E talvez o russo perca o posto de “a última língua que vou aprender na vida”. Descobri também que há uma professora de odissi em Hamburgo.

Eu quero só que a Tese e o Doutorado acabem. Neste exato momento, Sílio excluso, a Antiguidade Clássica não me traz tesão nenhum. Sinto falta da sala de aula e tenho redescoberto o francês na tradução do “Andreï Kourkov” que venho lendo. Na verdade, nem sei como havia me esquecido desta língua. Dia desses, revendo minha formação por motivos vários, fui me lembrando de quanto tempo dediquei a ela. Além do curso superior da Aliança Francesa, com as disciplinas de língua, literatura, civilização e tradução, na USP também chegay a fazer dois semestres de História da Literatura Francesa e dois de Literatura dos países de expressão francófona. Foi no segundo semestre desta que conheci o Chamoiseau. A carga horária dessa formação toda talvez seja maior que a dos cursos de Letras Francês de hoje. Também estive pensando em quantos alunos particulares e grupos em escolas eu tive; listando os livros com que ensinei, é impressionante a quantidade de abordagens distintas que aprendi e pelas quais lecionei (cito só Mauger bleu, La France en direct e Rond Point, nos extremos).             

Uma graphic novel sobre Beethoven (Goldjunge – Beethovens Jugendjahre de Mikael Ross), que acabou ficando na minha mesa depois de um curso que eu faria ter sido cancelado, tem desenhos lindos e cores fascinantes. E amanhã começa minha uma semana de férias em Amrun. Talvez leve comigo, além do Kurkov e dessa graphic novel, um livro sobre o Ramadan.