segunda-feira, dezembro 31, 2012


Puis je m'avoue qu'il n'y a là qu'un réflexe de mes chairs. Que je peux me défaire de cela. Alors, j'ouvre les doigts. Je ramène mes avant-bras sur l'offre de mes genoux. Je m'applique à respirer comme en certaines soirées au devant ma case -- la pluie tombée -- que je me sentais bien. Réinvestir ces points si rares où je me sentais bien. Petits moments mouillés, coeur adouci seul, paix-là de bouche, et vent coulant. 


- Patrick Chamoiseau, in L'esclave vieil homme et le molosse

sexta-feira, dezembro 28, 2012

A condição da felicidade



Há em Un balcon en forêt, de J. Gracq, uma passagem que deixa a crítica muito intrigada. O aspirante Grange, em serviço perto da fronteira belga durante a “maldita guerra”, recusa uma transferência que o tiraria da linha de frente de combate. Ora, nos diz o texto, a recusa de Grange não se explica nem por “uma questão de honra”, nem pelo desejo de ficar perto de Mona, sua jovem amante. Se Grange se recusa a deixar a fortaleza de Ardennes, da qual ele tem o comando, é porque se sente “respirar como nunca antes”. Como explicar que uma situação tão desconfortável (a expectativa do efetivo início da guerra) permita “respirar melhor”? Em que a perspectiva de um acontecimento penoso pode ser uma condição de felicidade? Encontramos uma explicação em um dos primeiros textos de Gracq, Un Beau ténébreux, bem anterior ao Balcon en forêt. O personagem Allan se dirige nos seguintes termos ao narrador, Gérard:

A verdade é triste, como você bem sabe. Ela desilude porque restringe. [...] Ela é pobre, ela desmobila e despoja. Mas quando uma verdade se aproxima [...] mesmo ainda apenas pressentida, faz-se na alma dilatada para recebê-la um desabrochar amoroso [...].


Se a felicidade está na “aproximação” do acontecimento (e não no contato com ele), é porque a expectativa permite a plena presença do mundo. A perspectiva de um acontecimento temido, pela intensidade que ela confere aos instantes que o precedem, reforça a relação de intimidade que nos une ao todo.

Vincent Jouve, in Por que estudar literatura?,
trad. Marcos Bagno e Marcos Marcionilo

sexta-feira, dezembro 14, 2012

"Ei, ei, eu sou gay!"



"Ei, ei, eu sou gay!" Isso foi o que me gritou um rapaz (bem bonito, aliás, e acompanhado de outro também bem bonito) da sua mobilete (acho que só mesmo eu pra chamar uma motoca de mobilete... ou uma mobilete de motoca), justo quando eu saía do TRE aqui do Recife. Tinha ido lá para resolver coisas: justificar o não voto no segundo turno, transferir meu título. Quase gritei pra ele: "Eu também!", mas mantive a linha. 

Ir ao TRE foi uma chateação. Fazia tempos que estava num vou-não-vou para resolver essas pendências e já tinha até ido a um TRE que não era o certo. O certo era o de uma Praça das Cinco Pontas. (Não dá pra perder a deixa e não comentar desses lugares de nome estranho daqui: Linha do Tiro, Bomba do Eleutério, Tamarineira, Jaqueira, Macieira, Pereira e afins.) De lá fui ao médico, para receber o resultado de um exame que eu havia repetido e cujos resultados me haviam tirado a paz e o sono por alguns dias e noites. Felizmente, o segundo resultado foi tão bom quanto se podia esperar. O triste é ter que fazer o tira-teima em janeiro. Mas a cada dia (ou mês) o seu mal.

Dessa ida ao TRE, atrasada como foi, vem a reflexão de como é difícil a gente se adaptar nesses começos. Sozinho. Felizmente eu tenho escola no assunto, é já a quarta vez que me mudo para um lugar completamente desconhecido nesta minha vida de meu Deus, mas tem hora que só por Ele  mesmo. Só pelo sangue. Finalmente fui justificar o voto, então, na sexta passada, porque até então esperava auxílio dos poucos que conheço. De quem podia me acompanhar de ônibus, de quem podia me levar de carro. Falharam todos, atuou o Google, o mapa, as notas no bloquinho, as informações pedidas na rua, os ônibus com gente ouvindo forró-sertanejo-pagode no celular, com som ruim e volume máximo, tudo isso sob o Sol escaldante do Recife.  

E daí hoje o meu ficante fofo não vem. O marcado era que viesse, mas não vem. Ficante não é nada, exigir o quê? Nem dignidade. Aí é que a gente pega a programação dos cinemas e se prepara pra ser só. Nem o único amigo, filho de mãe solteira e pai vasectomizado, o do domingo marcado no cinema, já não vai. O jeito é ser eu, eu mesmo e Irene, como diz a Grá. E esperar que se crie vida neste Recife meu, ainda inerme, inerte e inescrito.

domingo, outubro 07, 2012

Em Recife






Estranhamentos

É ainda muito cansativo o Sol eterno desta cidade. Dentro de casa, com janelas por todo o lado, o vento fresco areja tudo, e a vida é mais fácil à sombra. Nos dias em que preciso sair, a impressão que tenho é que me foi cedido um Sol individual que me segue pairando sobre a minha cabeça. 

E o esgoto que corre a descoberto nas valinhas de até 50cm entre o asfalto e a calçada me choca e fere as narinas.


Encantamentos

A Fundação Joaquim Nabuco tem um cinema muito legal, com uma programação "bacãna" e um café de ambiente bem gostoso.

Já participei de dois festivais, o Fito e o Animage. Ao contrário do que me disseram, a cidade parece ter uma vida cultural razoável. Não muito diferentemente das outras por que passei, essas atividades são meio underground, tem que saber onde se informar sobre elas e descobrir o que rola na rede.


Experimentos



Já fui a um museu e à praia sozinho. O museu, que fica pertinho do pilates, logo depois de uma pracinha de casinhas coloridas estilo Olinda, não tinha muito que impressionasse, senão o casarão em que está abrigado, belíssimo, amplíssimo, com piso de madeira e um pátio gramado esplêndido. A praia é bonitinha, como toda praia, mas é estranha a relação das pessoas com o mar: poucos entram na água, mesmo na região em que há os arrecifes. Para um carioca, nada mais bizarro que a areia superlotada sem ninguém na água...


quarta-feira, julho 11, 2012

W.


Acordou assustado de um sonho enigmático e colorido, em que muitas coisas se viam claramente, muitas como duplicadas sob os olhos de um homem ébrio que tropeça. Por mais que se esforçasse, uma só cena lhe voltava à mente consciente, repetindo-se e repetindo-se: um cervo, com uma pata dianteira presa, era atingido por uma lança enorme e pesada. Sentia-se ofegar ao revisualizar a cena, e o suor escorria-lhe pelas faces como um aguaceiro sem fim.
Devia ser um belo dia de Sol, porque era o início de uma história tão irônica nos seus meandros que seria um belo dia de Sol o melhor cenário para a chegada daquela frota de selvagens. É impressionante como, de um dia a outro, uma vida equilibrada e pacata pode tornar-se isolada e sem perspectiva. Não que sua vida tivesse sempre sido assim, ao contrário; de não poucas tragédias se compunha o seu curso de dias até a chegada a Mísia, até o reencontro com sua mãe, até sua aceitação como herdeiro do trono do rei Teutra. E era como herdeiro e guerreiro que a sua atuação nessa guerra era inevitável.
Não se soube muito bem por que tudo começou. Enganados na sua rota, os aqueus ali chegaram e compreenderam que estavam no lugar a que se dirigiam para exterminar, Troia, ou talvez tenham ali parado para iniciar o que seria uma carreira de morticínios em série, sendo Mísia somente mais uma vítima entre tantas outras. Télefo imiscuiu-se na batalha e ofertou muitas almas a Hades, guerreiros de não pouco nome inclusive. Era robusto e expedito na guerra; sabia manejar suas armas com perícia e proteger-se com cuidado. Mas as Parcas haviam fiado sua queda e, fosse porque Télefo agora se sentia o mais próximo da divindade paterna — de quem, aliás, possuía o porte e o rosto—, fosse porque havia bebido pouco mais do que devia antes da batalha e agora Baco o atraiçoasse, o destino prescrito era irrevogável.
Um tropicão halial num calhau, uma queda ofegosa, uma lança enorme cravada na sua perna direita.
Mas não morreu. Por oito anos, Télefo padeceu com uma ferida que não cicatrizava, até que, orientado por Apolo e um oráculo, foi-se para Áulis, em busca de quem o havia danado na guerra, Aquiles, filho de Peleu, o que inumeráveis males traria às hostes dos aqueus como fruto da sua ira incontida. Tudo que sabia era que o machucado que o atormentava só poderia ser sarado pelas mãos de quem o fizera. Acatando com humildade a orientação do deus flecheiro e a aparência cenosa de um mendigo, Télefo ofereceu aos aquivos a sua ajuda, em troca do favor de Aquiles: o herdeiro mísio guiaria os Atridas e suas frotas até Troia, se Aquiles tão somente consentisse em lhe curar a chaga. 

Oito anos de sofrimento se resolveram com uma pequena mancheia de ferrugem extraída à extremidade da longa lança. Eram dois anos de espera a menos que os das dores de Penélope, mas, assim como ela, Télefo só pôde curar-se e restabelecer-se na vida pela mão de quem lhe havia feito a ferida. E assim o seu nome alcançou a imortalidade.   

quinta-feira, abril 26, 2012


Esta postagem será enorme. Mas haverá de valer a pena por cada palavra, sobretudo porque será uma daquelas em que eu faço simplesmente a abertura, no início, e o fechamento, no final, das aspas. A citação é de Caio Fernando Abreu, um texto publicado na revista Around, acho que em 1985. Tiro-o do livro de Paula Dip, que me foi emprestado por uma ex-aluna linda, uma moça enorme de sorriso marcante, olhos de mangá e sensibilidade cult dessas excepcionais. 
 
Levei muito tempo para ler o livro. Primeiro, porque eu vi a capa, e quem vê capa não compra o miolo, porque ela é horrível. Um rosa choque bem escuro, uma foto em preto e branco, letras garrafais. E muito caro. Minha filosofia tem sido a de trocar livros, doar livros, pegá-los emprestados... menos dinheiro e mais circulação, na medida do possível. Por fim, uma vez tomado emprestado à ex-aluna, ainda levei muito tempo para completar a leitura porque o volume tem uma auto-dedicatória com uma linda caligrafia (tanto quanto a dona... a Grafologia explica), e eu não tive coragem de levá-lo comigo às viagens dos últimos dias (São Paulo, Ilha Bela, Recife, Campinas, Rio de Janeiro...). 
 
O livro, enfim, chamado Para sempre teu, Caio F., é uma publicação da Record, que já fez edições melhores e já teve revisões mais cuidadas. De toda a forma, é uma bela biografia informal das vidas paralelas da autora e, o que realmente interessa, de Caio Fernando Abreu. O trechos aí de baixo estão entre as páginas 217 e 221 ― e me vêm bem a calhar para este momento de encerramento de um relacionamento equivocado (o encerramento? ou o relacionamento?).





Do fundo do coração, ou Love, Love, Love

Sempre acreditei que toda vez que a gente entra numa igreja pela primeira vez, vê uma estrela cadente ou amarra no pulso uma fitinha de Nosso Senhor do Bonfim, pode fazer um pedido. Ou três. Sempre faço. Quando são três, em geral, esqueço dois. Um nunca esqueci. Um sempre pedi: amor.

Nunca tinha tido um amor. O quê? Aos 35 anos, agitando desse jeito? Explico: claro que tive dúzias e dúzias, outro dia tentei contar e me perdi na altura do número cento e trinta e muitos. Mas tudo rapidinho, assim, uma hora, um dia, uma semana, um mês, pouco mais. Nunca, digamos, UM ANO. Então quando alguém suspirava e dizia cara estou saindo de um caso de DEZ anos, meu olho arregalava de pura inveja. Histórias mais compridinhas, claro que rolavam. Maria Clara, por exemplo, mas a gente morava, eu em Sampa, ela no Rio, amor-ponte-aérea. Caríssimo. Isso, das moças. Dos moços, aquele bailarino americano em London, London, quatro/cinco meses. Talvez seis? Numa tarde de compras e roubos em Portobello Road me deu de presente um cacto (perfeito!) e me deixou plantado até hoje. Esse era amor-de-metrô, último trem entre Hammersmith e Euston. Onde andará? (“Onde andará?” é das perguntas mais tristes que conheço, sinônimo de se perdeu.) 
 
Eis que de tanto pedir, insistir, acender vela, fazer todos os feitiços para Santo Antônio e Oxum e concentrar, rezar, mentalizar, eis que pintou. Ano passado me baixou um encosto de São Francisco de Assis, joguei (literalmente) pela janela quase tudo que tinha e, com duas malas, parti para o Rio. Não queria mais me prender a nada. Nem a Sampa, bem-amada. Numa ida a Porto Alegre, em agosto, deu-se. Explosão: à primeira vista. Tudo o que dissemos, depois de um suspiro de alívio, foi: eu amo você. Pasmem: verdade das verdadeiras. Ousadias do coração que saca, na hora, a intensidade do lance. E não disfarça. Bueno, tinha pintado. Então tá. Romance comme il faut: dias numa casinha no meio de bosques em Gramado. Depois volta ao Rio e, como dizia Ana Cristina Cesar (Aninha, Ana C., a bela, que falta você me faz menina fujona!), “amizade nova com o carteiro do Brasil”. Laudas e laudas de cartas de amor, uma por dia, duas por dia, dez por dia. Fotos, poemas, juras interurbanas. Voltei. Nós fomos os dois pro Rio. Dois meses lá: o amor resistia, [...]

E agora, Caio F.? Agora, estou amanhecendo. Ah, me digo, então era assim. Essa coisa, o amor. Já conheço? Já conheço. Mas como é mesmo que se chama? Também não estou certo se estarei mesmo amanhecendo. Talvez, sim, anoitecendo, essas luzes penumbrosas são muito parecidas. Não sei muita coisa. Quase nada. Pedi? Levei. Nunca tinha sido tão intenso, nem tão bonito. Nunca tinha tido um jeito assim, tão forever.

[...]

Amor é a palavra que inventamos para dar nome ao Sol abstrato em torno do qual giram nossos pequeninos egos ofuscados, entontecidos, ritmados. A vida toda.

quinta-feira, abril 05, 2012

Sobre revistas, sovineza e heróis, nacionais ou não

Há duas histórias: a história oficial, mentirosa que se ensina, a história ad usum Delphini; depois, a história secreta, onde estão as verdadeiras causas dos acontecimentos, uma história vergonhosa.

Balzac, Ilusões perdidas, III, 32 (apud Paulo Rónai, Não perca o seu latim, p. 22)


No mês passado, num golpe de coragem, comprei quatro revistas na banca de jornal. Digo um golpe de coragem porque, é bem verdade, primeiro, que cada revista custa de dez a treze reais, hoje em dia, e fica bem difícil deixar de ser mão-de-vaca e comprar um número, muitas vezes por causa de um só artigo que se viu anunciado na capa. Segundo, que eu sou canguinha que só com certas coisas.

Também no mês passado, minha mãe e minha sobrinha estiveram em casa por uma semana. Num dos passeios, os chinelos da minha sobrinha (que é linda) arrebentou-se. Entramos na C&A, e ela escolheu um par de havaianas, que eu paguei sem hesitação. Depois me dei conta de que faz tempos que estou querendo um par de havaianas novas e que não o comprei, ainda, porque sempre o acho caro. E eis aí quão paradoxal eu posso ser.

Voltando às revistas, uma delas é a Vida simples (edição 115, fevereiro de 2012), cujas matérias de capa vez por outra me chamam a atenção. Nunca a havia comprado, lido ou sequer folheado, e tive uma bela surpresa: ela tem imagens lindas, um ou dois artigos interessantes, muita informação útil em gotas, pouco que eu tenha julgado realmente bom.

Outra das quatro é a excelente Mente cérebro (ano XIX, número 229), que conseguiu cinco estrelinhas: os artigos são muito interessantes, há também informações úteis esparsas e (pasmem!) muito que eu achei realmente bom. Depois de mais de dez anos, surge diante dos meus olhos uma revista que talvez eu venha a querer assinar. À parte o artigo sobre sonhos, motivação da compra, há um intitulado Fábrica de heróis, da página 39 à 43 (relativamente curto, mind you), que descreve o trabalho de um psicólogo da Universidade de Stanford, Philip Zimbardo, que vem desenvolvendo projetos no intuito de “ensinar” coragem e altruísmo. O texto é de Giovanni Sabato, identificado como jornalista científico, e me agradaram as fotografias selecionadas, os pequenos trechos em destaque, a seção “Para saber mais”, ao fim do artigo e, como não podia deixar de ser, a imagem bastante criativa que abre o artigo.

Mas não só para tecer esses elogios é que me pus a escrever esta postagem. Tem mais. O meu fascínio com heróis (não diferente do que tenho com sonhos) já me havia feito comprar, no ano passado, um exemplar da Revista de História da Biblioteca Nacional (ano 6, número 62), que tem justamente o artigo A morte do herói: ascensão e queda dos mitos nacionais como matéria de capa. Como parece ser recorrente nessa revista, o artigo tem redação inteligente (a autora é Vivi Fernandes de Lima) e discute, entre outros tópicos relevantes, o que leva uma figura a tornar-se herói, num processo que é descrito como concomitantemente histórico e político. Cita-se muita gente: Winston Churchill (“sangue, suor e lágrimas”... risos), logo na primeira página; Tiradentes (excurso: acabo de ler o Romanceiro da Inconfidência... adoro a Cecília); Reinaldo Ferreira, poeta espanhol do século XX... A matéria se encerra com um “infográfico” que mais vale pelas divertidas caricaturas de Vitor Vanes, na página 23, e pela lista de nomes oferecida, separados pelos Estados nacionais em que as personagens célebres atuaram, que pelos comentários biográficos, tão resumidos que beiram a inutilidade.

Não sei se já quero encerrar este texto. Estou com a sensação de que não disse o que vim para dizer, se que é que de fato havia algo.

Pulando de heróis para super-heróis, não consigo pensar num brasileiro. O meu favorito, desde sempre, é o Batman, que é norte-americano. E acho que todos o são, não? Quando penso em super-herói brasileiro, só me vem à mente o Overman (do Laerte), que sempre me lembrou em muito o Chapolim, que é quase nacional... Mas o Overman é um super-herói quase anti-herói... será que só temos isso?

Daí que encerro com uma comparação anedótica, que ouvi, certa feita, do Prof. Peterlini: o latinista brasileiro é como um padrinho de casamento que se prepara para a cerimônia, no seu fraque, e, ao chegar ao evento, notando que todos o encaram, descobre-se sem a calça. Troque-se “latinista” por “brasileiro” e muito se explica... até mesmo os nossos super-heróis, ou a ausência deles. Imagem eterna da excelência (?) a que falta o mais óbvio e básico. Triste conclusão, esta minha.


sábado, março 31, 2012

S.T.A.L.



Estou com umas quatro postagens prontas, guardadas para revisão. Para que o mês não passasse em branco, resolvi dar o ar da graça por aqui hoje. Depois de quase três semanas de estrada, com perdas e prejuízos consideráveis, mas ganhos bem vultosos, achei que o melhor seria um texto leve. E aí vai a narrativa de um desespero pré-Recife...

Daí que eu vou ao banheiro escovar os dentes e pôr o aparelho antes de me deitar e, perto do botão da descarga, dou de cara com aquele bicho esquálido, semitransparente, com as coisinhas lá dentro meio à mostra. Não, não havia nada de engraçado. Peguei a vassoura e tentei espantar o bicho pelo basculante, o mesmo por onde, muito provavelmente, ele tinha entrado. Como desgraça pouca é café pequeno, ele foge pro meu boxe e vai patinhando no azulejo até para cima do meu chuveiro. Danou-se.
Ainda com a vassoura, vou tentando fazer que ele se mova na direção da saída, mas nada. Recurso extremo: pego o inseticida que mata baratas e outros bichinhos e ataco. Assustado com a nuvem que foi na sua direção, o animal dá um salto mortal, de costas, com três loops e duas batidas de cauda na minha direção. Eu me deito por volta da uma, e devia ser uma meia noite e meia quando o edifício inteiro se deu conta da potência da minha voz.
Com muito custo, cheguei um pouco mais perto do boxe e vi a coisa no chão. Andando, logo, viva. Foi subindo pela parede e, fugindo da minha nova tentativa de encaminhá-la para a saída do meu boxe, do meu banheiro, da minha vida, ela se assusta novamente e entra no conduíte dos fios de instalação do chuveiro.
Longe dos olhos, mais ou menos longe o meu temor. Deixei a luz do banheiro ligada (pra quê? pra ela não ter que tatear no escuro?) e, abajur ligado, entrei na lide de uma noite de sono turbulento, partido em três, com abajur ligado e sonhos de répteis viscosos e nada católicos.
De manhã, bati na porta do banheiro antes de entrar, não sei se para fazer barulho e ela se esconder da minha presença ou se para avisar que ia entrar. Afinal, que fosse minimamente cordial a convivência que se instaurava, malgrado meu. Nada dela, senão o rabicho que ela ejetara no chão do meu boxe.
Havia uns dias já, eu tinha comentado da necessidade de lavar o banheiro, que estava bem sujinho. Pois já que a inquilina indesejada se tinha ido e deixado uma lembrancinha, nenhum momento poderia ser melhor. Vassoura, sabão, cândida e desinfetante, além de outros apetrechos, para, depois de o banheiro já lavado e limpo, me brotar um corpo atrás da porta, que a água de enxágüe tinha trazido não faço eu a menor idéia de onde. Que coisa medonha, molhada, agora acinzentada... morta.
E a gente acharia que esta postagem se encerra aqui, mas que nada. Nessa hora veio a reflexão de como era bom morar no dormitório estudantil, onde sempre havia alguém que se encarregasse da solução desses problemas funerários, quando raros eles se apresentavam.
Continuação do íncubo, armo todo um esquema em que a pá fica numa posição x para que, com um jato de água lançado da direção y, a lagartixa l trace um caminho e caia na pá. Uma vez executado o cálculo, mais uns dez minutos de controle de respiração até eu ter coragem de pegar no cabo da pá, o cadáver (caro data uermibus) seria lançado à privada, e a descarga se encarregaria de escrever o the end dessa saga. Mas eis que carne ainda não estava pronta para os vermes e se mexe na placa plástica amarelo-ovo.
O grito que se seguiu foi de pulmões que eu desconhecia ter, mas que muito provavelmente são fruto dos dois anos de natação que andei fazendo.
Ato contínuo, o inseticida saltou de volta à minha mão, e eu, de um ponto atrás da soleira da porta onde nenhuma nova surpresa pudesse me encontrar, escondia o corpo e punha à vista somente o dedo indicador, assassino que fazia pressão a intervalos mais ou menos regulares e criava uma nuvem letal apontada pra bichana sem cauda. Em algum momento desses minutos que pareciam uma eternidade, ela se cansou de ser ofendida por aquele gás e se arrastou para trás da vassoura, que estava ali parada do lado do vaso. E lá eu vi, por entre os fios da piaçava, a pobre agonizar. Não vou mentir e dizer que o medo me impeça de me apiedar. A cena é tétrica, e, a gente sabe, eu já a havia visto, em outro momento nigredo da vida, um rato passar pelo mesmo drama.
A água que tinha iniciado o enxágüe do banheiro chegava a luzir com a gordura do inseticida, uma lata inteira, que tinha sido lançada no banheiro. Temi até que eu mesmo me intoxicasse, depois, quando, uma vez recolhido o corpo e lançado ao seu sepulcro subaquático, pelas mãos de uma amiga gentil que havia sido chamada pelo telefone (quem disse que eu dava conta da tarefa? eu era uma pilha de nervos...), relavei o chão do banheiro duas vezes, com muito sabão e água, Pinho Sol e olhos que escrutinizavam as paredes e o teto a cada cinco segundos.
Eu queria muito que esses bichinhos não entrassem na minha casa... isso evitaria tensões enormes, que se estendem por dias a fio após o episódio, e salvaria a vida dessas criaturinhas praticamente inofensivas que o meu medo insano transforma em monstros famintos pelo meu sangue e equilíbrio emocional, sempre tão arduamente conquistado...

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

não se sinta desestimulado


eu sou assim esmo
eu sou assim mesmo
eu sou assim ermo
eu sou assim

terça-feira, janeiro 03, 2012

bilan

Alguns hábitos são simplesmente maravilhosos, e, digo e repito, a leitura é um dos mais maravilhosos deles. Pois eis que passou o final do ano, chegou 2012, o melhor ano da minha vida, e com ele a hora da nova lista de leituras do ano que terminou.

1/ Historia de la Antigua Literatura Latino-Christiana, Alfred Gudeman, trad. española Pascual Galindo Romeo, 6/1;

2/ Por que Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon, José Cândido de Carvalho, 9/1;

3/ Tieta do Agreste, pastora de cabras ou a volta da filha pródiga, melodramático folhetim em cinco sensacionais episódios e comovente epílogo: emoção e suspense!, Jorge Amado, 6/2;

4/ Os da minha rua, Ondjaki, 9/2;

5/ Euhemerus, Quintus Ennius, 15/2;

6/ La Guerra Púnica, Silio Itálico, trad. Joaquín Villalba-Álvarez, 22/2;

7/ Memórias da Emília, Monteiro Lobato, 25/2;

8/ Estorvo, Chico Buarque, 1º./3;

9/ Girassóis, Caio Fernando Abreu, 2/3;

10/ MSP 50 e MSP+50, 4/3;

11/ Lições de gramática para quem gosta de Literatura, Carmen Lucia Campos e Nílson Joaquim da Silva (eds.), 7/3;

12/ Ovid’s Metamorphoses, Elaine Fantham, 10/3;

13/ Til, o José de Alencar do ano!, 15/3;

14/ Anfitrião, Plauto, trad. Carlos Alberto Louro Fonseca, 20/3;

15/ Ao povo romano, depois que voltou do seu desterro, oração de M. Túlio Cícero, trad. Pe Antônio Joaquim, 28/3;

16/ A velhice saudável, Cícero, trad. Luiz Feracine (nada recomendável...), 10/4;

17/ Para ler Literatura como um professor, Thomas C. Foster (divertidíssimo!), trad. Frederico Dentello, 10/4;

18/ O filho eterno, Cristovão Tezza, 26/4;

19/ O rapto de Prosérpina, Claúdio Claudiano, trad. Luís Cerqueira,14/5;

20/ “O rapto de Prosérpina”, de Claudiano, Paula Branco de Araújo Brauner, 24/5;

21/ O soldado fanfarrão, Plauto, trad. Jaime Bruna, 30/5;

22/ Cantos Argonáuticos, Valério Flaco, trad. Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, 28/6;

23/ Fedra, Sêneca, trad. Fernanda Messeder Moura e Daniel Pelucci Carrara, 7/10;

24/ Arlindo Daibert: fortuna crítica, Júlio Castañon Guimarães (org.), 8/10;

25/ Agamêmnon, Sêneca, trad. José Eduardo dos Santos Lohner, 18/11;

26/ Escola de tradutores, Paulo Rónai (5ª. ed., revista e ampliada), 16/12;

27/ Biblique des derniers gestes, o Patrick Chamoiseau do ano, 31/12.