terça-feira, setembro 27, 2011

Sobre inícios equivocados e finais menos trágicos


Tenho acompanhado alguns processos de autodestruição que realmente me preocupam. Penso sobretudo em pessoas adoráveis que se mantêm em relacionamentos fadados a um final nada saudável, assim como em pessoas bem menos adoráveis que desencaminham outras pela simples necessidade de preencher ocos egoísticos, conscientemente ou não.

Tenho pensado em começos errados, ou meramente equivocados, que nem por isso precisam ser o início de algo que terminará mal. E aqui me lembro do que pretendia dizer hoje. Já falei sobre Arlindo Daibert na última postagem; trata-se de um artista local, como eu o imaginava até bem pouco. Mas estou lendo um livro (Arlindo Daibert: fortuna crítica, org. Júlio Castañon Guimarães, Edições Casa de Rui Barbosa/MAMM -- resenha aqui) que me tem mostrado que a sua obra, à época mesmo da produção, teve valor reconhecidamente maior que local.

Entre os pequenos textos críticos coligidos, encontro o nome de Francisco Bittencourt, um senhor de extrema importância na formação de um dos melhores leitores que conheço. Ainda não cheguei à metade do livro, e o mundo de Daibert me encanta mais e mais. Impressionante como um artista pode nos tocar sublimemente com tão pouco – digo isso porque conheço, de fato, muito pouco da obra de Daibert.

E a Fée me perguntou quais eram os “pontos altos” do artista ontem. Breve hesitação. A sua história de vida é o que mais me encanta, eu acho, eu respondo. Estudou Letras, voltou-se para as Artes, traçou encontros entre as duas áreas, tornou-se professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, fez-se reconhecer em alguns pontos do Brasil.

Mas eu estava pensando em como esse meu encanto começou de maneira equivocada. Também já mencionei em muitas outras postagens o nome d’O Fotógrafo, uma das minhas inúmeras paixões adolescentes que sobreviveram por alguns anos. Quando vim para Juiz de Fora mesmo, a ligação que a cidade tem com a fotografia me fazia pensar nele com alguma freqüência. E, vejam que curioso, senão vergonhoso: meu interesse pelo Daibert começou porque, assim como O Fotógrafo, ele era alguém que se iniciara nas Letras, mas era fascinado pelas Artes e operante nelas; e mais: porque numa das fotos mais conhecidas de Daibert, eu via o perfil d’O Fotógrafo, que sempre usou barba, mind you.

Às vezes eu sou feliz pelos fins menos trágicos que consigo dar a inícios fadados a finais nada saudáveis.

sábado, agosto 27, 2011

Saturday drops

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Acabo de sair da aula com o meu aluno perfeito, um americano a quem ensino português como língua estrangeira. Pelo meio dela, por causa de um exercício de leitura com os numerais ordinais, acabamos parando num mapa do Brasil, e ele me descreveu uma bela viagem que fez com o marido há aproximadamente cinco anos. Foram para Natal e lá alugaram um carro, fizeram uma espécie de road trip pela costa leste, passando por diversas praias e capitais. Ele, que é psicólogo, também comentou hoje sobre três pacientes, com que trabalhou, que tinham múltiplas personalidades. E eu pensei meu Deus, que pessoa interessante... é alguém assim que se deve ter para marido, mesmo. E o comentário é meramente platônico, que não tive nem tenho nenhum interesse no rapaz. Que já nem é tão rapaz assim.


Ao final da aula, ele comentou, sei lá por que cargas dágua, que o Rio de Janeiro está superlotado de americanos e turistas em geral. Quando ele viu essa notícia, que incluía o dado de que as escolas de idiomas andam fazendo listas de espera para as turmas de português como língua estrangeira, ele e o marido pensaram, de imediato, que eu estaria fazendo muito dinheiro, se estivesse no Rio.


E isso me fez pensar... se eu tivesse me mudado pro Rio, em vez de ficar aqui este semestre...


Eu estaria morando no Centro, dando aulas de português como língua estrangeira para americanos, em casa, cobrando a módica quantia de 100R/hora (o dobro do que cobro aqui). Numa dessas, eu encontraria um americano, que seria assim um loiro como o Justin Hartley ou um moreno como o Carlo Marks e a gente acabaria se apaixonando e se casando. A vida seria perfeita, e todos os probleminhas cotidianos estariam fora de cogitação. A gente iria, em algum momento, morar nos Estados Unidos, onde eu faria o meu doutorado sob a orientação do Raymond Marks ou do Augoustakis; cansados de lá, passaríamos algum tempo na Austrália, onde eu poderia fazer um pós-doc com o Cowan. E depois moraríamos um bom tempo no Canadá, no Québec, just for the fun of it. Com férias esporádicas na Europa e passagens obrigatórias pela Rússia, pra eu treinar meu russo.


É. Eu devia ter me mudado pro Rio em julho.




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Desde a quinta, quando recebi a notícia de que, depois de oferecer dois dias inteiros de horário para uma escola específica, não me seriam atribuídas novas turmas, porque não se haviam formado grupos, e a de que a minha hora-aula seria menos do que estava esperando, fiquei meio pra baixo e só fiz ver seriadinho americano. Meu orçamento está reduzido a um terço do que era... livros importados? Coisa do passado. Quinta das 16h até hoje de manhã na frente do computador, à base de enlatado.


Quando esse tipo de coisa acontece, eu corro aqui à lan, escrevo pra Mica e recebo colo quase imediato, tão imediato quanto a mediata distância Brasil-Alemanha permite. Desta vez, ela me sugeriu que não me sentisse tão culpado pelo tempo jogado fora, porque é necessário desligar-se, vez por outra. Daí, como de praxe, eu me lembrei da Luana, que, num email mais antigo, numa época de crise, me fez pensar na importância da arte na minha vida. E daí eu fui lá ao CCBM, um dos lugares de que mais gosto em Juiz de Fora, para ver as exposições fotográficas que venho ensaiando visitar faz tempos. Se valeu a pena...


...


As fotos são, em sua grande maioria, muito bonitas; a seleção está diversificada, e a curadoria melhor em algumas salas que em outras. Como não podia deixar de ser, a exposição que mais me impressionou foi a da sala Daibert (um artista cujo nome já me encanta desde que cheguei aqui). Na verdade, a foto mais significativa para mim nem estava na parede, ampliada -- só a vi mesmo no livrinho de onde as que estavam grandemente expostas foram tiradas. Um homem, parado diante de uma árvore, é da altura de metade da medida da raiz. Bom pra lembrar a nossa significância. Ou insignificância.


Detalhe, explicação necessária: não há nada do Daibert na sala que leva o nome dele. Não desta vez, pelo menos.


A curadoria dessa sala está com a Nina Mello, fotógrafa daqui que também já tive o prazer de conhecer, responsável por uma galeria pequenina e charmosa no São Pedro, bem próxima do câmpus. A exposição se chama Paisagem Submersa e me deu o tapa na cara (freqüente...) do título que nada me inspira para me oferecer sensações fenomenais. Isso tudo adicionado ao gosto que tenho da curadoria simples e pouco pretensiosa.


A outra exposição que me fascinou foi a Inovar é preciso, de curadoria falha, muito falha, mas que conta com o fascínio dos jogos de cores de Gleice Lisbôa e o espetáculo do fragmento (encanto antigo, nós sabemos...) do Lomosaico de Marcelo Viridiano.





sábado, julho 16, 2011

da minha eterna incompetência


sabe que eu estava aqui, meio correndo-correndinho, pra fazer o que tinha que fazer nanete e ir buscar meu Globo de sábado (pra ler o Prosa & Verso) antes das 13h, e vejo que acaba de dar meio-dia no cantinhinferior direito do computador?

aí eu olhei de volta pro meu relógio: é, meio-dia.

e a pergunta que não quer calar: será que um dia eu aprendo a ver as horas em relógio de ponteiros?

terça-feira, abril 26, 2011

Deprecação

Gonçalves Dias


Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Com denso velâmen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz!

Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre:
Bastante sofremos com tua vingança!
Já lágrimas tristes choraram teus filhos,
Teus filhos que choram tão grande mudança.

Anhangá impiedoso nos trouxe de longe
Os homens que o raio manejam cruentos,
Que vivem sem pátria, que vagam sem tino
Trás do ouro correndo, voraces, sedentos.

E a terra em que pisam, e os campos e os rios
Que assaltam, são nossos; tu és nosso Deus:
Por que lhes concedes tão alta pujança,
Se os raios de morte, que vibram, são teus?

Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Com denso velâmen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz.

Teus filhos valentes, temidos na guerra,
No albor da manhã quão fortes que os vi!
A morte pousava nas plumas da frecha,
No gume da maça, no arco tupi!

E hoje em que apenas a enchente do rio
Cem vezes hei visto crescer e baixar...
Já restam bem poucos dos teus, qu'inda possam
Dos seus, que já dormem, os ossos levar.

Teus filhos valentes causavam terror,
Teus filhos enchiam as bordas do mar,
As ondas coalhavam de estreitas igaras,
De frechas cobrindo os espaços do ar.

Já hoje não caçam nas matas frondosas
A corça ligeira, o trombudo coati...
A morte pousava nas plumas da frecha,
No gume da maça, no arco tupi!

O Piaga nos disse que breve seria,
A que nos infliges cruel punição;
E os teus inda vagam por serras, por vales,
Buscando um asilo por ínvio sertão!

Tupã, ó Deus grande! descobre o teu rosto:
Bastante sofremos com tua vingança!
Já lágrimas tristes choraram teus filhos,
Teus filhos que choram tão grande tardança.

Descobre o teu rosto, ressurjam os bravos,
Que eu vi combatendo no albor da manhã;
Conheçam-te os feros, confessem vencidos
Que és grande e te vingas, qu'és Deus, ó Tupã!

sexta-feira, abril 01, 2011

LUDUS DO AMOR IMPOSSÍVEL



Este amor
Não e sim
Enterrou-se
No jardim

Este amor
Sim e não
Abre em flor
De ilusão

Este amor
Não e não
Como chuva
De verão.

- Cláudio Murilo Leal

terça-feira, março 15, 2011

Sísifo


Com uma caneca de chá na mão, o barbantinho pendurado no canto, ele se deixa mesmerizar pelo nada que se enxerga pela janela, do outro lado da chuva que escorre em grandes gotas pelo vidro. A mão esquerda se alterna entre a tarefa de segurar a caneca em auxílio à direita, que detém a asa, e a de acariciar o gato branco, de olhos claros como os seus, que se põe a seu lado e ronrona, fazendo sinfonia com os ruídos da chuva. Tudo convida ao sono.

Menos a angústia. Terminado o chá, ele relê Os dragões não conhecem o paraíso, companhia que se tornou uma espécie de obsessão desde que foi deixado pelo último namorado. Luta com as palavras, identifica-se com o seu autor; busca nas linhas uma explicação que vá além – como é possível que algo tão bem construído, ou que ao menos assim se julgava, possa ruir, de uma hora para outra, como se de mera construção de blocos infantis se tratasse? Então tá, o cara diz que te ama e, de repente,

Tosse. De novo, a tosse, expressão chocalhada da saúde frágil quanto tem sido nos últimos meses. No banheiro, pensa em como havia sido relapso com a sua saúde, como ele mesmo gostava de frasear, e põe para dentro, com uma careta, os comprimidos da noite. Diante do espelho do armário, repara nos fios de cabelo que já estão brancos e calcula a próxima ida ao cabeleireiro, quando, então, uma vez por mês, ele os tinge.

Senta-se na cadeira recém-comprada, preta, observa uma falha na pátina, compara-se a ela. O tempo passou, também ele teve suas falhas, o tempo passou, também o seu brilho se ofuscou... o tempo passou. Tem idade para ter um filho formado em Medicina, o curso que talvez ele mesmo tenha querido fazer quando se matriculou na faculdade. Ocorre-lhe que este deve ser o trigésimo ano de profissão. O gato salta-lhe sobre o colo, fazendo-o acordar desse letargo contínuo; ele então se levanta, escova os mais-brancos dentes, belo resultado do último clareamento, e vai para a cama, grande, fria e vazia. Tudo convida ao sono.

Amanhã, mais um dia de trabalho, dos que se iniciam às sete e meia da manhã e não terminam antes das sete e meia da noite.

sábado, março 12, 2011

Postagem estilo Severo

Difícil lidar, às vezes, com o nosso queijo mexido. Acordei, fiz minha devocional, li um trecho da Eneida em latim, estudei um pouquinho de língua, pensei atividades pro Latim 2, pus roupa pra lavar, pendurei, tomei banho, me arrumei, saí. O percurso previsto era banca-restaurante-lan. A banca de perto de casa já estava fechada, e eu andei, então, até à da Padre Café, onde tinham o CD do Chico, mas não O Globo do sábado. Tenho comprado O Globo sempre aos sábados, desde que descobri nele um caderno chamado Prosa e Verso. Continuei o caminho até à banca da Morais e Castro; de lá, até a do Bom Pastor, na rua das escadarias; de lá, até à padaria da Rio Branco: é que, há muito, quando costumava comprar o Tribuna de Minas aos domingos, se a banca de perto de casa estava fechada, essa padaria sempre tinha. Acho que os jornais saem menos nas padarias. Bem, eles tinham O Globo de hoje.



Sáááááááábado de Sol! Acho que nunca fui tão feliz de encontrar um jornal.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Maratona de férias

"Sinto falta, aqui em Juiz de Fora, daquela cultura perecível, quando você corre pra três, quatro lugares no mesmo dia, pra dar conta do que há disponível pra ver...", disse o moço de Copacabana.





E também vi Biutuful e O Mágico... mas nem guardei os papelitchos...





segunda-feira, fevereiro 14, 2011


Creio que teríamos uma sociedade bem mais saudável se a população contasse com um maior número de pontos de venda de livros, sucos, flores, livros, discos, bicicletas, livros, frutas, bolas de futebol, raquetes de frescobol, livros, instrumentos musicais, sapatilhas, livros, livros e, claro, livros.

Martha Medeiros, no texto "Você, modo de usar",
Revista O Globo de 13/2/2011