quarta-feira, maio 07, 2008

infância e paixões


"Você não acha estranho ter escolhido formar as pessoas e sair da vida delas?"


Sei lá se é estranho. Isso aí quem disse foi uma amiga minha, considerando a profissão que eu escolhi. Essa coisa de ser professor. Ah, porque isso de ser pesquisador acadêmico é só corolário. Levo a sério porque levo a sério que quer que eu faça, mas eu nasci para isso não. Eu nasci foi para dar aula. E a gente é para o que nasce.

Eu tinha cinco anos de idade quando disse que seria professor. E fui. E sou. E tenho sido há dezesseis anos agora. Professor de línguas.

E daí que eu escolhi fazer parte da vida delas e depois permitir que elas se vão? Às vezes elas se vão sem permissão. Às vezes elas não se vão nem a sopetão... O negócio é que eu tinha próximo dos doze.



Por essa época, eu tava descobrindo, como disse a tia Antônia, que eu “gostava mais de meninos que de meninas”. Daí ele veio, do nada, saiu lá do canto de onde eu já o tinha visto me observar, e perguntou qualquer coisa sem importância, a que eu respondi sem dar muita trela. Uns minutos depois, eu estava lá, saracuteando na frente daquela sala aquário onde um grupo de mulheres e uma gay louca faziam uma aula de ginástica. Daí ele pára de novo do meu lado e me chama de “espertinho”. Espertinho por quê? Ah, meu, fala sério. Eu era uma criança. E bota criança nisso...

O nome dele era Alexandre Barbosa, tinha vinte e um anos, se me lembro bem. Mas isso não faz diferença. Podia ser Luiz Augusto, Haroldo-Luana, Ênio-sem-agá-e-com-acento, Míssil Intercontinental, Tigrinho de Pelúcia, Panamericano, Cassoulet ou Judeu de D’us... não faria diferença. Eu era um idiota. E fui. E sou. E nem ligo se continuar sendo. Só fui me dar conta de que ele era lindo porque a minha mãe disse: quem era o moço que estava falando com você? Bonito, ele. Quando a gente é criança, a gente acha que a mãe da gente não mente. A minha não costuma, mesmo.

Mas o auge daquele relacionamento foi uma semana. Depois de várias em que eu o via no horário do almoço porque saía da escola e ia direto pro SESC, onde nos conhecemos e ele fazia o seu tratamento odontológico, eu bolei um súper-húper plano infalível para tê-lo: uma enquete. Eu tinha lido isso num livro (um, aliás, que eu li umas quatro vezes na minha pré-adolescência). Era uma entrevista que a professora de Português teria me mandado fazer. As perguntas eram as mais idiotas que uma criança de onze (doze?) anos podia fazer para um homem de vinte e um por quem ela estava apaixonada. E no final tinha um espaço traçado à régua para colar uma foto três-por-quatro. Que eu consegui só emprestada. Mas que eu guardei comigo, no bolso, por toda a parte, durante a semana... até que precisei devolvê-la. Tudo era mais fácil naquela época. Apaixonar-me era mais fácil. E ter o objeto da paixão era mais fácil: um simulacro bastava.

E nem sei por que contei tudo isso. Deve ser crítica genérica. Destes tempos, destas dores, e destas (faltas de) cores (sim, ando lendo o Murari Pires). Como as pessoas sofrem.

Metafísico na noite em claro. São duas e doze da manhã, e cá estou eu aqui, escrevendo esta besteira pra postar quando conseguir ternete na vida, que hoje eu tomei um golpe de coragem e tirei do meu pupúti (esta é aérea) a placa que tava acabando com o bichinho. Nanete agora só pelos pupútis da Universidade.


Alguém viu o Mário Sérgio por aí?

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