quinta-feira, março 27, 2014

O que há

 
    O que há em mim é sobretudo cansaço —
    Não disto nem daquilo,
    Nem sequer de tudo ou de nada:
    Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
    Cansaço.

    A sutileza das sensações inúteis,
    As paixões violentas por coisa nenhuma,
    Os amores intensos por o suposto em alguém, 
    Essas coisas todas —
    Essas e o que falta nelas eternamente —;
    Tudo isso faz um cansaço,
    Este cansaço,
    Cansaço.

    Há sem dúvida quem ame o infinito,
    Há sem dúvida quem deseje o impossível,
    Há sem dúvida quem não queira nada —
    Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
    Porque eu amo infinitamente o finito,
    Porque eu desejo impossivelmente o possível,
    Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
    Ou até se não puder ser...

    E o resultado?
    Para eles a vida vivida ou sonhada, 
    Para eles o sonho sonhado ou vivido,
    Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
    Para mim só um grande, um profundo,
    E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
    Um supremíssimo cansaço, 
    Íssimo, íssimo, íssimo,
    Cansaço...



- Álvaro de Campos

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