segunda-feira, dezembro 31, 2012


Puis je m'avoue qu'il n'y a là qu'un réflexe de mes chairs. Que je peux me défaire de cela. Alors, j'ouvre les doigts. Je ramène mes avant-bras sur l'offre de mes genoux. Je m'applique à respirer comme en certaines soirées au devant ma case -- la pluie tombée -- que je me sentais bien. Réinvestir ces points si rares où je me sentais bien. Petits moments mouillés, coeur adouci seul, paix-là de bouche, et vent coulant. 


- Patrick Chamoiseau, in L'esclave vieil homme et le molosse

sexta-feira, dezembro 28, 2012

A condição da felicidade



Há em Un balcon en forêt, de J. Gracq, uma passagem que deixa a crítica muito intrigada. O aspirante Grange, em serviço perto da fronteira belga durante a “maldita guerra”, recusa uma transferência que o tiraria da linha de frente de combate. Ora, nos diz o texto, a recusa de Grange não se explica nem por “uma questão de honra”, nem pelo desejo de ficar perto de Mona, sua jovem amante. Se Grange se recusa a deixar a fortaleza de Ardennes, da qual ele tem o comando, é porque se sente “respirar como nunca antes”. Como explicar que uma situação tão desconfortável (a expectativa do efetivo início da guerra) permita “respirar melhor”? Em que a perspectiva de um acontecimento penoso pode ser uma condição de felicidade? Encontramos uma explicação em um dos primeiros textos de Gracq, Un Beau ténébreux, bem anterior ao Balcon en forêt. O personagem Allan se dirige nos seguintes termos ao narrador, Gérard:

A verdade é triste, como você bem sabe. Ela desilude porque restringe. [...] Ela é pobre, ela desmobila e despoja. Mas quando uma verdade se aproxima [...] mesmo ainda apenas pressentida, faz-se na alma dilatada para recebê-la um desabrochar amoroso [...].


Se a felicidade está na “aproximação” do acontecimento (e não no contato com ele), é porque a expectativa permite a plena presença do mundo. A perspectiva de um acontecimento temido, pela intensidade que ela confere aos instantes que o precedem, reforça a relação de intimidade que nos une ao todo.

Vincent Jouve, in Por que estudar literatura?,
trad. Marcos Bagno e Marcos Marcionilo

sexta-feira, dezembro 14, 2012

"Ei, ei, eu sou gay!"



"Ei, ei, eu sou gay!" Isso foi o que me gritou um rapaz (bem bonito, aliás, e acompanhado de outro também bem bonito) da sua mobilete (acho que só mesmo eu pra chamar uma motoca de mobilete... ou uma mobilete de motoca), justo quando eu saía do TRE aqui do Recife. Tinha ido lá para resolver coisas: justificar o não voto no segundo turno, transferir meu título. Quase gritei pra ele: "Eu também!", mas mantive a linha. 

Ir ao TRE foi uma chateação. Fazia tempos que estava num vou-não-vou para resolver essas pendências e já tinha até ido a um TRE que não era o certo. O certo era o de uma Praça das Cinco Pontas. (Não dá pra perder a deixa e não comentar desses lugares de nome estranho daqui: Linha do Tiro, Bomba do Eleutério, Tamarineira, Jaqueira, Macieira, Pereira e afins.) De lá fui ao médico, para receber o resultado de um exame que eu havia repetido e cujos resultados me haviam tirado a paz e o sono por alguns dias e noites. Felizmente, o segundo resultado foi tão bom quanto se podia esperar. O triste é ter que fazer o tira-teima em janeiro. Mas a cada dia (ou mês) o seu mal.

Dessa ida ao TRE, atrasada como foi, vem a reflexão de como é difícil a gente se adaptar nesses começos. Sozinho. Felizmente eu tenho escola no assunto, é já a quarta vez que me mudo para um lugar completamente desconhecido nesta minha vida de meu Deus, mas tem hora que só por Ele  mesmo. Só pelo sangue. Finalmente fui justificar o voto, então, na sexta passada, porque até então esperava auxílio dos poucos que conheço. De quem podia me acompanhar de ônibus, de quem podia me levar de carro. Falharam todos, atuou o Google, o mapa, as notas no bloquinho, as informações pedidas na rua, os ônibus com gente ouvindo forró-sertanejo-pagode no celular, com som ruim e volume máximo, tudo isso sob o Sol escaldante do Recife.  

E daí hoje o meu ficante fofo não vem. O marcado era que viesse, mas não vem. Ficante não é nada, exigir o quê? Nem dignidade. Aí é que a gente pega a programação dos cinemas e se prepara pra ser só. Nem o único amigo, filho de mãe solteira e pai vasectomizado, o do domingo marcado no cinema, já não vai. O jeito é ser eu, eu mesmo e Irene, como diz a Grá. E esperar que se crie vida neste Recife meu, ainda inerme, inerte e inescrito.