quinta-feira, junho 27, 2024


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Minhas reflexões sobre religião datam de muito tempo, creio eu que, ao menos individualmente, desde que saí de casa e fui morar no alojamento estudantil da USP, onde passei a me confrontar com situações que exigiam de mim certas tomadas de decisão que me impunham o questionamento dos que eu julgava serem, até então, meus valores. Muitos eram apenas costume adquirido de uma educação religiosa falha e nada tolerante recebida no seio de uma das muitas denominações neopentecostais que proliferam no Brasil.

 

Por essa época também foi que Luana, uma amiga minha, em meio às suas buscas, me apresentou a Joseph Campbell. Uma das coisas que ele diz – na famosa entrevista de que anos depois eu me permitiria revisitar em livro e DVDs – certamente com melhor expressão, é algo que reli numa postagem de Instagram esta semana: a sua religião de hoje é a mitologia de amanhã. Pensar o cristianismo (ou o que eu então conhecia como tal) como uma mera mitologia me parecia blasfêmia – pra dizer o mínimo. Mas essa afirmação, junto de outras, havia plantado uma semente. Outras duas sementes poderosas foram apaixonar-me pelo hino a Kali das meninas do Mawaca, para só bem mais tarde descobrir “o que” era Kali, e pouco depois por um moço do candomblé.

 

Na minha origem cristã, o candomblé (e mesmo a umbanda e o espiritismo kardecista) só se definiam como “coisa do diabo”, outra definição não havia. Uma coisa dita por esse moço, que então me criou muitos pontos de interrogação na cabeça e que me acompanha desde então, foi que uma das festas no terreiro que ele frequentava tinha sido “bonita”. Eu não dava conta nem de imaginar o que podia ser bonito num terreiro de candomblé, pra mim sempre associado a uma barulheira infernal e às possessões. Aqui cabem duas explicações: primeiro, eu havia presenciado, muito, muito novo, uma “baixada”, cuja gritaria, de um lado, e o assombro dos cristãos presentes, do outro, só fizeram me dar medo; segundo, bonita? Eu jamais tinha olhado pra religião com olhos de admiração estética, isso não fazia o menor sentido. Ainda mais porque, pensando, como não pude deixar de fazer, o que vivenciava nos cultos da minha igreja, eu lamentavelmente não tinha nada que pudesse qualificar, de bom grado e sem inúmeras notas de rodapé, de “bonito”. E o questionamento: o que pode haver no candomblé que esse menino acha bonito, gente? Cheguei somente a duas possibilidades: o branco onipresente e o “resguardo” (acho que assim se chamava), uma espécie de regime de abstenção múltipla que os praticantes se impõem em prepação para os ritos de divinação. Duas coisas que, sem muito cuidado de análise, a gente logo entende que entravam no meu limitado escopo de compreensão de mundo e de religião sem muito esforço.


Saltemos desses idos de 2000-e-muito-antigamente para o presente: em busca de uma seleção de mitologias que fizessem sentido para o trabalho com crianças do sexto ano na semana de projetos, saindo da ideia louca de trabalhar itens de uma mitologia distinta por dia, acabei aterrissando na minha herança cultural: a mitologia iorubá e as mitologias aborígenes. Tem sido uma bela viagem. Parte importante dela está sendo a leitura de um longo texto que apresenta introdutoriamente a filosofia, a estrutura e muitas das concepções das manifestações religiosas ligadas à mitologia iorubá, uma gentil correção de conceitos tão errados que carreguei por toda a vida, uma amorosa abertura de olhos para o desserviço que os ministros da minha religião fizeram e fazem a tudo que não aprovam – basicamente tudo que é outro.

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