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Minhas reflexões sobre religião datam de muito tempo, creio eu que, ao menos individualmente, desde que saí de casa e fui morar no alojamento estudantil da USP, onde passei a me confrontar com situações que exigiam de mim certas tomadas de decisão que me impunham o questionamento dos que eu julgava serem, até então, meus valores. Muitos eram apenas costume adquirido de uma educação religiosa falha e nada tolerante recebida no seio de uma das muitas denominações neopentecostais que proliferam no Brasil.
Por essa época
também foi que Luana, uma amiga minha, em meio às suas buscas, me apresentou a
Joseph Campbell. Uma das coisas que ele diz – na famosa entrevista de que anos
depois eu me permitiria revisitar em livro e DVDs – certamente com melhor
expressão, é algo que reli numa postagem de Instagram esta semana: a sua
religião de hoje é a mitologia de amanhã. Pensar o cristianismo (ou o que eu
então conhecia como tal) como uma mera mitologia me parecia blasfêmia – pra
dizer o mínimo. Mas essa afirmação, junto de outras, havia plantado uma
semente. Outras duas sementes poderosas foram apaixonar-me pelo hino a Kali das
meninas do Mawaca, para só bem mais tarde descobrir “o que” era Kali, e pouco
depois por um moço do candomblé.
Na minha origem
cristã, o candomblé (e mesmo a umbanda e o espiritismo kardecista) só se
definiam como “coisa do diabo”, outra definição não havia. Uma coisa dita por
esse moço, que então me criou muitos pontos de interrogação na cabeça e que me
acompanha desde então, foi que uma das festas no terreiro que ele frequentava
tinha sido “bonita”. Eu não dava conta nem de imaginar o que podia ser bonito
num terreiro de candomblé, pra mim sempre associado a uma barulheira infernal e
às possessões. Aqui cabem duas explicações: primeiro, eu havia presenciado,
muito, muito novo, uma “baixada”, cuja gritaria, de um lado, e o assombro dos
cristãos presentes, do outro, só fizeram me dar medo; segundo, bonita? Eu
jamais tinha olhado pra religião com olhos de admiração estética, isso não
fazia o menor sentido. Ainda mais porque, pensando, como não pude deixar de
fazer, o que vivenciava nos cultos da minha igreja, eu lamentavelmente não
tinha nada que pudesse qualificar, de bom grado e sem inúmeras notas de rodapé,
de “bonito”. E o questionamento: o que pode haver no candomblé que esse menino
acha bonito, gente? Cheguei somente a duas possibilidades: o branco onipresente
e o “resguardo” (acho que assim se chamava), uma espécie de regime de abstenção
múltipla que os praticantes se impõem em prepação para os ritos de divinação.
Duas coisas que, sem muito cuidado de análise, a gente logo entende que
entravam no meu limitado escopo de compreensão de mundo e de religião sem muito
esforço.
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