Então ele entrou ali. Vinha já preparado, sabia a notícia que podia receber. Sabia as implicações daquela notícia e o que de mudança ela acarretaria. Mas já não se estressava ao considerar todas essas coisas. Tinha tido uma boa metade de mês de reflexões, de orações, de meditação e preparação para o que viesse. Se viesse.
Fazia quinze dias, ali, naquele mesmo posto, ele tinha ido buscar os resultados de uma coleta. A assistente social que o recebeu, então, depois de uma ou duas horas de espera (já nem sequer se lembrava), havia se dirigido com ele para uma saleta no fundo do prédio, onde ela, sentada do outro lado da mesa, provavelmente cansada de um dia de trabalho, desatenta e distraída, começa a ler o papel:
"Bem... temos aqui... HIV, positivo; hepatite A, negativo..."
Ele, ao ouvir "HIV positivo", algo por que realmente não esperava, sem levantar a voz ou sequer mover-se na cadeira, pergunta em tom brando:
"Como?"
Isso foi em maio, pelo meio do mês. Em março ele tinha feito um exame anti-HIV e recebido o resultado: negativo. No ano anterior, no ano passado, em setembro, ele havia se exposto a uma relação de risco. Nada demais: tinha usado camisinha, mas a prática do sexo oral, quando tinha estado com um machucado no céu da boca, era preocupante. Não sei se ele teria se precavido se tivesse sabido, antes do ato, que o seu parceiro era soropositivo. Ele estava tão encantado com aquele menino, lindo, cheiroso, inteligente como poucos... não sei se ele teria se precavido. Enquanto esperava, no ano passado, que passasse o período da janela, ele mesmo havia considerado e reconsiderado que, se esse fosse o preço a pagar, ele estava disposto. É. Mais que encantado, ele estava apaixonado. E isso basta.
Talvez, agora, quando recebia a notícia, ele se arrependesse de ter tido tais pensamentos... mas eu acho que não. Ele sempre me disse que valorizava pouco a vida: não que quisesse morrer, mas que morreria, como mortal, e que pouco lhe fazia diferença se isso se daria agora ou em dez anos. A única coisa que o afastava do suicídio em horas de desespero era um misto de valores religiosos embotados e de frouxidão, "eu jamais seria capaz... sou frouxo demais", ele me repetia, às vezes.
Mas, no posto, em meados de maio, a assistente social então levanta a cabeça, acordada do torpor em que estava, e pergunta, assustada com a sua própria irresponsabilidade:
"Você não sabia?"
"Não... é a primeira vez que isso aparece num exame meu."
Ela, semi-desesperada, procura uma explicação. Algo que dissesse que a sua leitura anterior estava errada. O Elisa dava positivo, o Western Blot inconclusivo... talvez fosse mais uma das falhas causadas pela "grande sensibilidade" do Elisa (assim falam eles, personalizando o exame, como se ele tivesse vida). Sugerem-lhe que faça nova coleta e aguarde quinze dias. Ele, mui tranqüilamente, assim o faz. No final de maio, o Western Blot já não esconde o que antes só se imaginava. "Virou", ele ouviu dizerem. E assim, sem nenhuma alteração na sua vida, ele saiu do posto, como se nada tivesse acontecido. Tinha virado soropositivo.