sábado, setembro 27, 2008

Canela e Gramado

Pois fui lás hoje.

Quando cheguei a Canela, tinha perdido o único ônibus jardineira que faz o passeio turístico na cidade. Se ferrei grandão.

"O ônibus das dez?"

"Veio um grupo grande, e ele saiu às nove."

Confiabilidade zero, pensei eu.

"Você não quer ficar pro do meio-dia?"

Minha senhora, eu me levantei às cinco da manhã para estar aqui este horário... Esperar duas horas, numa cidade em que não há nada que fazer? Acho que não. E, levando-se em consideração o fato de que se trata de uma cidade em que não há ônibus circular, fazem-se os pontos turísticos com uma jardineira (nada confiável...) ou de táxi... Nem. Voltei pra rodoviária, onde fui maltratado pela atendente de plantão no guichê, peguei o outro ônibus e fui pra Gramado.

Em Gramado as coisas foram mais fáceis. Ônibus jardineira, passeiozinho previsto, ônibus de volta pra POA. A vida é bela com a rotina. Não gosto que mexam no meu queijo...

quinta-feira, setembro 25, 2008

Totalmente boleado


E isso aí me lembra quando inda eu morava no Rio e o povo dizia "Ficou boladão!..." pra alguém que se pasmasse com qualquer coisa acontecida.

Daí ontem eu resolvi ser uma pessoa melhor. Nenhum perdão é completo sem o esquecimento da ofensa, e eu resolvi procurar o Pé-de-Feijão, que vai bem, obrigado, muito bem, até. E hoje revi o tal sósia dele que tinha estado no auditório. É um menino queridíssimo do Instituto de Letras da UFRGS.

Apesar do enorme desânimo de que venho sendo tomado, que ando deprimido que só, hoje reagi a breves e curtos passos, trabalhando o dia todo na exposição que foi o fim do Colóquio de que vim participar. Bem, estou em Porto Alegre... deu pra ti, baixo-astral...! Alunos empolgados são sempre um bom remédio para muitas dores. E o dia terminou com um xou de dança típica gaúcha numa chucarrascaria ótima, com xou de boleador e tudo, chê! E também me comprei meias novas, sempre brancas, e o CD trilha do filme Juno. Just cute.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Notícias de eu, em POA





Aux deux extrémités de la vie,
avec trop ou trop peu de sensibilité,
on ne s'expose pas avec simplicité
à sentir le juste effet des choses,
à éprouver la véritable sensation
qu'elles doivent donner.

Stendhal,
in
De l'amour






Ontem eu matei uma mosca. Cidades quentes sempre têm moscas, é impressionante. Entrei no quarto, a maldita da faxineira tinha deixado a janela aberta. Duas moscas (medônhas) no quarto. Uma delas parou na porta. Havaianas, ixipléxite!, sanguinho, papel higiênico. Já não se pode dizer que eu sou tão inofensivo que nem sequer a uma mosca mate. Não se enganem.

Sempre fui uma pessoa de muitas paixões. Então eu estive apaixonadíssimo por esse moço do candomblé. Vou chamá-lo Pé-de-Feijão, roubando o apelido que lhe deu um judeu que conhecíamos em comum. Não o Judeu de D'us dos olhos azuizes que gostava de feijão preto (ouço dizer que ele anda em sérios apuros), mas um outro judeu. Um amorzinho de menino, esse outro judeu. Mas eu me apaixonei foi pelo outro, o moço do candomblé.

Olhei para a situação e, sinceramente, eu a achei, no mínimo, ridícula. Uma pessoa lamentavelmente preconceituosa como eu, com a criação evangélica, cristã e cheeeeeia de culpa como a minha... namorar alguém de uma religião afro-brasileira? Ixe... O medo que eu tenho daqueles batuques e transes... era um negócio fadado a dar errado. O que foi uma pena, porque eu realmente me encantei com o moço. Ele me esqueceu rápido, e até aí nada de novo, mas eu guardei o amarelo do trigo sob o Sol.

Daí que, na segunda-feira, na UFRGS, quando me apresentei, entrou um moço no auditório que era a cara do Pé-de-Feijão. Eu olhava para ele e sorria. Ele nem nunca viu, e nem era essa a intenção. Feliz daquele moço que, sem o saber, ganhou a simpatia de uma das pessoas mais azedas que eu conheço, sem sequer um esforço. Eu olhava para ele e me perguntava, com insistência: Como será que vai o Pé-de-Feijão?

O mais estranho, e aqui encerro a história, foi ir ontem à uma maravilhosa piteçaria que descobri na Cidade Baixa, o bairro guei por excelência em Porto Alegre, pelo que me dizem, para ver outro semi-sósia do Pé-de-Feijão. É que há trigos que se trituram facilmente; e outros que cintilam com enorme brilho às vezes mesmo sem raios de Sol, na escuridão.

quinta-feira, setembro 18, 2008

Cristalização


Laissez travailler la tête d'un amant pendant vingt-quatre heures, et voici ce que vous trouverez :

Aux mines de sel de Salzbourg, on jette, dans les profondeurs abandonnées de la mine, un rameau d'arbre effeuillé par l'hiver ; deux ou trois mois après on le retire couvert de cristallisations brillantes : les plus petites branches, celles qui ne sont pas plus grosses que la patte d'une mésange, sont garnies d'une infinité de diamants, mobiles et éblouissants ; on ne peut plus reconnaître le rameau primitif.

Ce que j'appelle cristallisation, c'est l'opération de l'esprit, qui tire de tout ce qui se présente la découverte que l'objet aimé a de nouvelles perfections.


[...] En mot, il suffit de penser à une perfection pour la voir dans ce qu'on aime.


Stendhal, in De l'amour

domingo, setembro 14, 2008

Pensando nos meus vícios e ciclos viciosos


-- Qual, minha gente! -- ponderou a velha crioula --, tudo é cativeiro. Quem teve a desgraça de nascer cativo de um mau senhor, dê por aqui, dê por acolá, há de penar sempre. Cativeiro é má sina; não foi Deus que botou no mundo semelhante coisa, não; foi invenção do diabo.

Bernando Guimarães, in A Escrava Isaura

quarta-feira, setembro 03, 2008

A vizinha do 400-e-X


"Oi, eu sou a Fulana. Moro no quarto andar, no 400-e-X, e o meu sutiã caiu do meu varal e pousou no seu. Deixe-o no meu escaninho, por favor."

Achei o imperativo no final do bilhete de uma tremenda audácia. Mas tudo bem: pra sorte da Fulana, eu estava num bom dia, de excelente humor, e fui dócil. Tão dócil quanto necessário para espantar qualquer um que me conheça minimamente: peguei o tal sutiã, deselegantemente preto, lamentavelmente esgarçado, espantosamente grande, embalei-o num saco plástico, colei com fita adesiva, pus no escaninho. E vivi feliz para... quase sempre.

Aí, na semana passada, na quinta-feira, depois de uma discussão sem sentido, os meus humores não eram dos melhores.

"Oi, aqui é a Fulana, do 400-e-X. Caíram do meu varal uma meia preta, que está no varal do quarto do meio do apartamento de vocês, e um par de xortezinhos, pendurados num cabide, que ficou preso ao varal do quarto da extrema esquerda. Deixem as peças no escaninho."

Nem se a vaca tussisse. Subi ao apartamento, com a fúria acrescentada pelo disparate, despautério e desatino do bilhete. E eu agora era o quê? atendente de loja de roupa feminina? e ia ficar pondo a minha mão nas roupas alheias que tocam as partes alheias assim, aleatoriamente? Mas nem a pau... inda mais a... whatever. Com um breve jogo de dedos, as peças estavam no chão, lá no chão, longe do meu varal.

"Everton, tinha um bilhete no escaninho... duma moça que deixou umas peças caírem no varal... você viu?", pergunta-me o meu colega de apartamento.

"Não", respondo eu, mais para não fazê-lo cúmplice do que para esconder o meu ato.

Em seguida, toca o interfone. Era a Fulana. Pelo nome no bilhete, eu não tinha reconhecido... pela voz, eu soube quem era. Era a Fulana! Conhecida de longa data, sem meias e sem xortezinhos. Like I cared.