terça-feira, junho 24, 2008

Feijão preto

suis miserum me cepit ocellis
Propércio, I, 1

com os seus olhinhos me capturou... pobre de mim!



"Você anda assim, ó."

Daí eu imitei o seu jeito solto de andar, com os braços balançando, peito aberto, uma forma desleixada que, como todo o resto, era puro encanto. Os olhos azuizes me olham, a risada conhecida me invade os ouvidos e aquece o corpo, para em seguida eu ouvir algo que revelava um incômodo.

"Mas eu estou só comentando, não é uma crítica."

Novo sorriso dos olhos azuizes.

É que ele não sabia que os apaixonados observam.
Que observam porque namoram,
porque se enamoram,
porque veneram.
Filmam e fotografam com os olhos,
arquivam as sensações miúdas
para depois saboreá-las no silêncio da noite só.


E foi observando detalhes que eu soube
(e nunca esqueci)
que ele prefere feijão preto.

segunda-feira, junho 23, 2008

Para Mica, no seu vigésimo sexto aniversário


Olá, meu amor, feliz aniversário!


Estou tão feliz de saber dos seus morangos... Não, eles não me escaparam. Sim, você se esqueceu de me contar, mas eu os descobri. Comuns, eu os achei; tão comuns quanto encantadores. Também fiquei feliz de saber da grandíssima vitória do diploma, do emprego, da faculdade, do marido. Espero que as coisas continuem seguindo no melhor caminho.



Daqui, as mesmas ansiedades de sempre.

Continuo na anotação dos meus fragmentos, agora no de número 220 e bolotinha, dos totais 420. O trabalho tem-se mostrado cada vez mais fluido, tenho me sentido satisfeito com a pesquisa e com o seu resultado. A minha orientadora, sempre adorável e presente, recebeu hoje mais algumas páginas de leitura. Enfim, academicamente, as coisas caminham e se encaminham.

Por isso disse que logo devo deixar São Paulo. Acredito que no segundo semestre. A agitação (e sobretudo o trânsito) desta cidade me tem incomodado muitíssimo, e acho que oito anos deste país me são suficientes. Para o Sul. Bah, para Porto Alegre, muito provavelmente. Há sempre a caixinha de surpresas, o encanto que me causou Curitiba, Florianópolis que ainda devo conhecer este ano, aí por agosto. Nada decidido, ao fim e ao cabo.

Tenho feito amizades novas, de extrema importância nestes momentos. As duas principais são o Quique e a Dessa. Ele, o moço adorável que já mencionei outras vezes, inclusive numa postagem aqui do blóguite; ela, a professora de alemão amiga do Fá, um anjo de presença e tranqüilidade que só podem fazer bem. E há o J., que se vem juntando ao grupo aos poucos, marcando presença, mostrando os seus encantos. Tenho revisto pessoas, mantido o Siqueira por perto, aparado arestas com o Fá, conversado esporadicamente com a Enluarada.

Que mais? Saudades, claro. Dos nossos passeios, das nossas conversas, das nossas risadas e mãos dadas. Da meiguice dos seus olhos e da miudez da sua expressão física. Da sua presença quase diária na minha vida, fiel e insubstituível.

Com todo o meu amor,
Everton

domingo, junho 15, 2008

Religião: reflexões de busca




Introdução.
Uma pequena dose de assunto diferente. Porque, se eu me desleixo um segundo, se me permito uma distração mínima, volto ao monotópico e isto acaba por tornar-se um blóguite enfadonho, com cara de coluna de aconselhamento amoroso. Touche du bois !

Brasília. Aconteceu, durante a minha recém-terminada viagem a Brasília, uma peregrinação religiosa que me abriu os olhos para algumas coisas. É engraçado, mas é verdade: a cada viagem que faço, há sempre um dia em que a solidão cala fundo no peito (rs), e eu acabo me (re)vendo num momento de busca religiosa. Desta vez, a coisa foi singela. Havia eu me programado para uma visita à Catedral que, como tudo por aquele lugar de vastos espaços e céus abertos, leva a assinatura do Niemeyer. Já tinha passado na frente dois dias antes, quando me avisaram dos horários. E, então, quinta-feira, era entrar e admirar. Primeiro e maior, o peso dos três anjos pendurados me puseram lágrimas nos olhos. Patético como soa. Simples assim. Depois de passar por todos os espaços abertos à visitação e me chatear com um celular que toca e é atendido no meio daquela imensidão espiritual, saí, esbarrando ainda com uma bermuda não autorizada que entrava no templo.

Ermida Dom Bosco. De lá, parti para a Ermida Dom Bosco. Longe como quase todas as coisas interessantes (e elas não são poucas) daquelas paragens, o longo caminho feito pelo ônibus não foi suficiente: tive ainda que fazer uma bela caminhada de vinte minutos a pé, numa estrada erma e longa, perguntando-me se não era para fazer jus ao nome da pequeninina capela, na verdade um grande oratório com a imagem de Dom Bosco. Elevada sobre uma espécie de anfiteatro, às margens do Lago do Paranoá, a Ermida era bem menos impressionante que o caminho que se faz para chegar a ela, o que ele oferece, o próprio anfiteatro (onde passei uma boa meia-hora em companhia de Sílio) e a vista esplendorosa do céu aberto e o Lago loguembaixo.

O Convento. Viandante pra Ermida, vejo uma construçãozinha modesta, bonita, com cores familiares. Pergunto se estou no caminho certo, e ela me diz que sim. Pergunto o que é a construçãozinha modesta, e ela me diz que é um convento. Ela, uma freira do local, perguntou se eu não queria entrar, usar o banheiro, beber água e encher a minha garrafinha, conhecer a capela. Estranhei a oferta, assim como estranhou que eu desligasse o celular antes de entrar. A capela era linda, e foi a primeira em que eu encontrei uma Bíblia aberta, se me lembro bem em algum Salmo, que eu li com comoção engrandecida pelas orações que começaram bem no meio da minha leitura, cantadas, ritmadas, afinadas. E os vitrais coloridos. Impossível não haver, num ambiente daqueles, exaltação espiritual das mais sinceras.

O Seminário. Impossível não haver, num ambiente do Seminário que está também no caminho para a Ermida, um verdadeiro desejo de fazer parte. Se eu pudesse escolher, acho que seria católico. Faz algum tempo que olho para as Igrejas Católicas com olhos mais dóceis e felizes: elas estão sempre abertas, acolhedoramente prontas à recepção de quem chegue. E são ambientes tão divinamente simbólicos, tão simbolicamente misteriosos, tão misteriosamente silenciosos... Venho de uma criação evangélico-cristã, dentro da Igreja Batista, uma das mais severas, uma das mais tradicionais. A crítica recorrente da idolatria às imagens me afastou, por muito tempo, de sequer entrar numa Igreja Católica. É impressionante (e lamentável) como religiões tão próximas podem se tornar tão distantes. O mesmo digo do judaísmo.

O Judeu de D'us. Tenho saído com um judeu, o já mencionado Judeu de D'us, e as discussões religiosas que temos, altamente esclarecedoras para mim, me fazem lamentar ainda mais essas separações que podem acontecer. Duas religiões monoteístas, com um mesmo Deus, declaradamente expresso, irreconciliáveis na identificação do Messias. E a novidade de tudo isso para mim é ver que a intolerância pode estar muito mais próxima do que se imagina. Felizmente, as nossas discussões são pacíficas e acabam sempre em sorrisos, quando não em grandes gargalhadas de incredulidade cúmplice.

O candomblé e as religiões afro-brasileiras. Estive envolvido, por outro lado, com um rapaz do candomblé. Meu Deus, quanta dificuldade! Tenho, à parte todo o preconceito engendrado pela ignorância, um verdadeiro temor dos ruídos e representações numerosas das religiões ditas afro-brasileiras, cujas manifestações e sacrifícios, se de fato os há, me chocam tão enormemente a ponto de traçar uma linha que a minha religiosidade não permite ultrapassar. O esforço da compreensão foi inútil, até porque não foi facilitado. E nada se me acrescentou.

Crédito. Estas questões me vêm abertas desde algo em torno de 2004, quando vivi, durante algo como um ano, com a pessoa mais enluarada que já conheci, uma amiga lindíssima, a mais despida de preconceitos que já conheci na vida. Foi ela que, com os seus cabelos vermelhos, me levou a conhecer Joseph Campbell e o livro O Poder do Mito, leitura essencial para o início dessas minhas reflexões, nada conclusivas - nem agora, nem nunca.

segunda-feira, junho 09, 2008

Toda generalização é estúpida.