terça-feira, maio 27, 2008

Admirável expressão que faz o poeta de seu atencioso silêncio

poemitcho do Gregório de Matos (1636? - 1696)


Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.

O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é, que o sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.

Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.

Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro no peito.

sexta-feira, maio 16, 2008

Wanna be my Penguin? O Cosmopolitano.



Crimine quo merui, iuuenis placidissime diuum,
Quoue errore miser, donuis ut solus egerem,
Somne tuis?


Por que crime mereci, ó jovem mais plácido entre os deuses,
ou por qual erro, pobre de mim, que sozinho fosse privado dos dons
teus, ó Sono?


(Estácio, Silvas, V, 4, 1-3)


Este é um dos meus poemas favoritos de Estácio (ca. 40 – 96 d. C.). Está nas Silvas, uma coletânea de poemas de temas diversos, primorosamente escritos e organizados em cinco livros. Escolhi os dois versos e meio acima como mote (o poema todo está traduzido e publicado por mim e pela Fernanda, no link embaixo deste parágrafo) porque, outra vez, escrevo do auge da minha insônia. São quatro da manhã e o Mário (o meu colchão) me viu revirando o corpo desde a uma. Mas nem vou falar sobre isso. Vou falar sobre o quadrinho.

www.geocities.com/scriptaclassicaonline/evertonfernanda.pdf


Já viram esse quadrinho do Pingüim? É bonitinho, neah? Eu o vi pela terceira vez estes dias, numa página de ternete. Acho-o muito charmoso, mas ele sempre me traz umas perguntas tolas: quem está pronto para ser Pingüim?


Conheci um rapaz, faz algum tempo, com quem vinha teclando fazia um tantinho. Saímos para jantar, acabamos indo à casa dele, onde recebi, goela abaixo, um DVD inteiro da Björk. Não, eu não gosto dela. Não, eu não desgosto dela. O ponto a que quero chegar é outro (“hoje você está digressivo, Teeny Weeny”): sem que eu dissesse nada sobre o que queria ou não, esse Santo rapaz me diz que não dá nenhum passo antes que se sinta totalmente seguro. Risos. Amarelos. E constrangidos. Nós nem sequer ficamos. Nem poderíamos: quem quer se aproximar de quem quer exigir os seus quereres sem querer se entregar? Eu não. Quem fala de vida inteira sem partilhar o primeiro toque?


Antes disso, um casal de amigos indiretos se separara (adoro o mais-que-perfeito simples – acho digno). Indiretos porque um dos moços do casal era amigo daquele que retém, ainda hoje, o título de “o meu melhor amigo”, ainda que eu pouco me reconheça nessa amizade ou no pouco que descubro (des)conhecer desse mesmo amigo ("Tiny Ton, digressivo..."). Fato é que, depois de um ano ou mais de namoro, os meninos se separaram. Eu os havia conhecido sorridentes, um com o outro nos lábios para elogios, um com o outro nos olhos cintilantes. Mas eles se separaram... brutalmente. Um deles traíra. Um deles sofreu. Quando soube, eu chorei. Papo de mulherzinha, diria o Cosmopolitano (e se fosse?). Mas chorei, sim. E não foi pouco: chorei de soluçar. No final de um filme triste, ninguém ia notar. O meu “melhor” se constrangeu, pediu licença e ficou me esperando fora da sala de projeção, de onde saí com a cara inchada de uma semana de choro. Mas eu sou egoísta. Não chorei por eles. O pranto era meu e era por mim, pelo modelo que eu havia perdido, pela esperança que deveria ter sido a última a morrer (é da quinta, neah?).




Que lixo de postagem. Oquei. Vou contar uma boa, one for the road.


Isso começou na minha época de UFRJ. Ela era linda. Era jovem, e todas elas são lindas quando jovens. E tinha um namorado-noivo-marido, eu não sabia ao certo. Ouvia falar. E ouvia falar mal: parece que ele era feio. Gordo e disforme, ouvi dizer. Depois vi os dois juntos. Era perfeito.


Pois ele ganhou uma bolsa de Doutorado na Alemanha. Foi-se. E ela deixou-se ficar. Deixou-se ficar no Goethe, onde ela se matava de estudar a língua bárbara e nórdica. “Se eu acertar onde pôr o verbo, já vou ficar feliz!” (Ouvi isso com tanta freqüência antes de imaginar de que se tratava... e agora sou eu quem estudo as posições na frase alemã. Codeloco.)


E depois também ela se foi. Deixou a faculdade, o emprego, os amigos... e foi atrás do seu Pingüim. E voltou junto com ele, que validou o seu diploma e foi dar aulas numa Universidade Pública no interior de um Estado desse Brasilzão de meu Deus. Uma cidade muito quente, eu ouço dizer. Depois dos extremos de frio e neve da Europa... Há quem saiba ser o Pingüim do outro. Mesmo com tanto calor.

quarta-feira, maio 07, 2008

infância e paixões


"Você não acha estranho ter escolhido formar as pessoas e sair da vida delas?"


Sei lá se é estranho. Isso aí quem disse foi uma amiga minha, considerando a profissão que eu escolhi. Essa coisa de ser professor. Ah, porque isso de ser pesquisador acadêmico é só corolário. Levo a sério porque levo a sério que quer que eu faça, mas eu nasci para isso não. Eu nasci foi para dar aula. E a gente é para o que nasce.

Eu tinha cinco anos de idade quando disse que seria professor. E fui. E sou. E tenho sido há dezesseis anos agora. Professor de línguas.

E daí que eu escolhi fazer parte da vida delas e depois permitir que elas se vão? Às vezes elas se vão sem permissão. Às vezes elas não se vão nem a sopetão... O negócio é que eu tinha próximo dos doze.



Por essa época, eu tava descobrindo, como disse a tia Antônia, que eu “gostava mais de meninos que de meninas”. Daí ele veio, do nada, saiu lá do canto de onde eu já o tinha visto me observar, e perguntou qualquer coisa sem importância, a que eu respondi sem dar muita trela. Uns minutos depois, eu estava lá, saracuteando na frente daquela sala aquário onde um grupo de mulheres e uma gay louca faziam uma aula de ginástica. Daí ele pára de novo do meu lado e me chama de “espertinho”. Espertinho por quê? Ah, meu, fala sério. Eu era uma criança. E bota criança nisso...

O nome dele era Alexandre Barbosa, tinha vinte e um anos, se me lembro bem. Mas isso não faz diferença. Podia ser Luiz Augusto, Haroldo-Luana, Ênio-sem-agá-e-com-acento, Míssil Intercontinental, Tigrinho de Pelúcia, Panamericano, Cassoulet ou Judeu de D’us... não faria diferença. Eu era um idiota. E fui. E sou. E nem ligo se continuar sendo. Só fui me dar conta de que ele era lindo porque a minha mãe disse: quem era o moço que estava falando com você? Bonito, ele. Quando a gente é criança, a gente acha que a mãe da gente não mente. A minha não costuma, mesmo.

Mas o auge daquele relacionamento foi uma semana. Depois de várias em que eu o via no horário do almoço porque saía da escola e ia direto pro SESC, onde nos conhecemos e ele fazia o seu tratamento odontológico, eu bolei um súper-húper plano infalível para tê-lo: uma enquete. Eu tinha lido isso num livro (um, aliás, que eu li umas quatro vezes na minha pré-adolescência). Era uma entrevista que a professora de Português teria me mandado fazer. As perguntas eram as mais idiotas que uma criança de onze (doze?) anos podia fazer para um homem de vinte e um por quem ela estava apaixonada. E no final tinha um espaço traçado à régua para colar uma foto três-por-quatro. Que eu consegui só emprestada. Mas que eu guardei comigo, no bolso, por toda a parte, durante a semana... até que precisei devolvê-la. Tudo era mais fácil naquela época. Apaixonar-me era mais fácil. E ter o objeto da paixão era mais fácil: um simulacro bastava.

E nem sei por que contei tudo isso. Deve ser crítica genérica. Destes tempos, destas dores, e destas (faltas de) cores (sim, ando lendo o Murari Pires). Como as pessoas sofrem.

Metafísico na noite em claro. São duas e doze da manhã, e cá estou eu aqui, escrevendo esta besteira pra postar quando conseguir ternete na vida, que hoje eu tomei um golpe de coragem e tirei do meu pupúti (esta é aérea) a placa que tava acabando com o bichinho. Nanete agora só pelos pupútis da Universidade.


Alguém viu o Mário Sérgio por aí?