Comecei a redigir este texto faz meses, numa semana de muito. Muitas alegrias, muitas ansiedades e muitos questionamentos. Ela começou com a expectativa de um reencontro com uma amiga querida, terminou com questionamentos duros sobre o que quero e quais caminhos percorrer para chegar lá.
A amiga querida, Sandra, esteve aqui em Hamburgo, acompanhada de filha e genro; foi maravilhoso revê-la e partilhar momentos íntimos de histórias presentes e passadas, passeio de barco, leitura de oráculos e comidas e comidinhas. Da alegria imensa que foram esses dois dias, fui parar de volta no mundo da realidade do meu trabalho atual, tão lindo quando cansativo.
Trabalho, de tarde, em uma escola infantil de horário integral. Basicamente realizo o trabalho de "educador", na tradução literal da palavra pomposa que descreve a profissão em alemão, Erzieher, o que eu prefiro chamar de "guardador de crianças" -- como guardador de rebanhos. Esse chamamento tem mais que ver com a forma prática como vejo o meu fazer: criar laços, ouvir, ensinar coisas de relacionamento com os outros e com o mundo, resolver conflitos. Como na outra (professor de Latim), esta profissão me foi liberada graças às qualificações adquiridas no Brasil, pelos anos de Magistério, o já não mais existente curso de formação técnica para professores primários, e os de Licenciatura, agregados à graduação em Letras. Como para a outra, o reconhecimento dessas qualificações foi parcial, o que implica que preciso fazer "formações" para ser plenamente habilitado. No caso da firma em que trabalho, um total de 80h iniciais com temas específicos. Já revi psicologia do desenvolvimento, a importância dos brinquedos e brincadeiras na educação, a observação como ferramenta pedagógica. Previstos estão, na sequência, minicursos sobre jogos de movimento corporal, criatividade como fortalecedor na infância, psicologia do comportamento infantil e primeiros socorros. As quarenta horas que faltam precisam ser cumpridas ainda este semestre, porque no segundo eu devo começar outra qaulificação, bem mais pesada, como professor de Latim.
Para poucos é novidade quanto o meu encanto com o latim, seu ensino, sua literatura, a mitologia greco-latina, tudo empalideceu bastante depois da conclusão do Doutorado. Esses efeitos e afetos tiveram pouco que ver com a Tese em si, muito mais com uma nova visão de mundo que se criou em mim ao longo destes já quase cinco anos de Alemanha. A licenciatura em Letras, Português e Latim, é, no entanto, a que mais me rende financeiramente, já que o trabalho como guardador de crianças é — lamentavelmente — menos bem pago. Assim é que vou me submeter ao absurdo da formação que me exigem: 1,5 ano de contrato em tempo integral, mas com 50% do salário correspondente. E a tal qualificação, segundo consta, não é leve.
Minhas vontades flutuam. Até o ano passado, me aterrorizava a ideia de voltar a trabalhar com crianças, e tudo que eu queria era começar a tal qualificação como professor de Latim. No ginásio em que trabalho, atualmente como professor de Latim e de Francês, o conhecimento do que é o cotidiano de um professor escolar me cansou bastante; na escola da tarde, a convivência diária com as crianças me desestressa e funciona como um equilibrante em face do peso do trabalho letivo no ginásio. Minha maior preocupação, no momento, é como um contrato de tempo integral no estresse pode me impedir de ter um de tempo parcial para o trabalho como guardador, o que me traz, em geral, mais prazer.
Em meio a tudo isso, havia ainda a revisão final da Tese, a preparação de um dossiê para o seguro de aposentadoria e a declaração do imposto de renda, todas essas coisas do cotidiano que causam uma pressão enorme em ruído de fundo dos meus raciocínios e reflexões diárias. Cabe o meme “queria ⭐️ morta”. Delas resta agora apenas a revisão da Tese, que eu me prometo terminar nas férias de julho a agosto. O que há agora é a espera da resposta da agência de trabalho, de cuja autorização preciso para o contrato de trabalho da qualificação, e as decisões com relação à continuidade do trabalho como guardador à tarde, se ele será possível num contrato reduido de oito horas — além do tempo integral da qualificação.
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