Há
duas coisas que tenho dito repetidas vezes em conversas com amigos e comigo
mesmo, nos meus momentos de (tentativa de manutenção da minha) lucidez: é
preciso respeitar-se e é preciso economizar energia.
As
barreiras culturais e o esforço linguístico diariamente requerido me têm sido
inusitados. Conhecendo a objetividade e a organização alemãs, nunca pensei que
a burocracia daqui fosse ser tão grande, a ponto de me criar tantos problemas
quantos tenho tido desde que cheguei. É por isso que, num dia como a sexta-feira
da semana retrasada, depois de passar a quinta-feira inteira estudando e
burilando a apresentação de um curto seminário, eu me jogo na cama e durmo até
o sono acabar. Eu estava cansado. Na quinta-feira da semana passada, depois de
ir à Seção de Estrangeiros (à famigerada Ausländerbehörde)
e descobrir que haviam fechado para um curso de capacitação, com todo o
estresse de estar com um visto pendente causa, fiquei mal-humorado, cansado do
dreno psicológico que essas situações causam, angustiado, ansioso... depois da
manhã de trabalho intenso na sexta (aula de russo seguida de aula de alemão),
cheguei à casa e me examinei. Cansaço foi o que achei. Dormi uma hora. Quando
me levantei, encontrei mau humor. Fui andar de bicicleta, olhar árvores e rios,
tomar vento na cara. É preciso respeitar-se; às vezes não dá pra fazer nada, é
preciso dar uma volta, é preciso dormir, é preciso tomar Sol. Às vezes é
preciso fazer nada além do que é preciso.
Numa
das primeiras vezes em que fui à universidade, com uma lista de tarefas para
executar, dei conta de quatro de cinco e descobri que a quinta não era passível
de solução encontrável naquele momento. Tudo muito novo, a cada palavra lida
uma descoberta. Dei de cara com uma biblioteca enorme (a STUBI) e resolvi
entrar e sondar como as coisas funcionavam. Queria olhar os livros, passar
entre as estantes, sentir e sugar um pouco da paz que esses ambientes sempre me
trouxeram. Logo na entrada, um armário para guardar pertences funciona com um
código que você cria na hora. Tudo muito simples e funcional, a menos que você
tenha que decifrar o texto de como fazer uso desses armários... precisei tentar
umas três vezes até acertar. São coisas mínimas: o código numérico só podia ter
quatro dígitos, eu demorei a entender isso. Subo. Onde estão as estantes de
livros? Só vejo salas enormes e gente silenciosa trabalhando. Dei umas três
voltas. Peguei minhas coisas e voltei pra casa. Simples assim. Resolver quatro
das cinco coisas que estavam na minha lista tomara energia, muita energia; eu
não tinha mais energia pra tentar conversar com um funcionário e perguntar
sobre os livros e como ter acesso a eles. Isso me custaria uma energia que
podia ser-me necessária no dia seguinte. Então eu vim-me embora, porque era
preciso poupar energia.
Faz
um mês e meio que estou em Hamburgo. Muita coisa mudou. Já me movimento com
bastante liberdade na universidade e tenho menos problemas de expressão ou
compreensão em alemão. Mas muito ainda me é completamente estranho, os choques
culturais ainda são diários e os dois (auto)conselhos ainda são funcionais: é
preciso respeitar-se e é preciso guardar energia.
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