Esta
postagem será enorme. Mas haverá de valer a pena por cada palavra,
sobretudo porque será uma daquelas em que eu faço simplesmente a
abertura, no início, e o fechamento, no final, das aspas. A citação
é de Caio Fernando Abreu, um texto publicado na revista Around,
acho que em 1985. Tiro-o do livro de Paula Dip, que me foi emprestado
por uma ex-aluna linda, uma moça enorme de sorriso marcante, olhos
de mangá e sensibilidade cult
dessas excepcionais.
Levei
muito tempo para ler o livro. Primeiro, porque eu vi a capa, e quem
vê capa não compra o miolo, porque ela é horrível. Um rosa choque
bem escuro, uma foto em preto e branco, letras garrafais. E muito
caro. Minha filosofia tem sido a de trocar livros, doar livros,
pegá-los emprestados... menos dinheiro e mais circulação, na
medida do possível. Por fim, uma vez tomado emprestado à ex-aluna,
ainda levei muito tempo para completar a leitura porque o volume tem
uma auto-dedicatória com uma linda caligrafia (tanto quanto a
dona... a Grafologia explica), e eu não tive coragem de levá-lo
comigo às viagens dos últimos dias (São Paulo, Ilha Bela, Recife,
Campinas, Rio de Janeiro...).
O
livro, enfim, chamado Para
sempre teu, Caio F.,
é uma publicação da Record, que já fez edições melhores e já
teve revisões mais cuidadas. De toda a forma, é uma bela biografia
informal das vidas paralelas da autora e, o que realmente interessa,
de Caio Fernando Abreu. O trechos aí de baixo estão entre as
páginas 217 e 221 ― e me vêm bem a calhar para este momento de
encerramento de um relacionamento equivocado (o encerramento? ou o
relacionamento?).
Do
fundo do coração, ou Love, Love, Love
Sempre
acreditei que toda vez que a gente entra numa igreja pela primeira
vez, vê uma estrela cadente ou amarra no pulso uma fitinha de Nosso
Senhor do Bonfim, pode fazer um pedido. Ou três. Sempre faço.
Quando são três, em geral, esqueço dois. Um nunca esqueci. Um
sempre pedi: amor.
Nunca
tinha tido um amor. O quê? Aos 35 anos, agitando desse jeito?
Explico: claro que tive dúzias e dúzias, outro dia tentei contar e
me perdi na altura do número cento e trinta e muitos. Mas tudo
rapidinho, assim, uma hora, um dia, uma semana, um mês, pouco mais.
Nunca, digamos, UM ANO. Então quando alguém suspirava e dizia cara
estou saindo de um caso de DEZ anos, meu olho arregalava de pura
inveja. Histórias mais compridinhas, claro que rolavam. Maria Clara,
por exemplo, mas a gente morava, eu em Sampa, ela no Rio,
amor-ponte-aérea. Caríssimo. Isso, das moças. Dos moços, aquele
bailarino americano em London, London, quatro/cinco meses. Talvez
seis? Numa tarde de compras e roubos em Portobello Road me deu de
presente um cacto (perfeito!) e me deixou plantado até hoje. Esse
era amor-de-metrô, último trem entre Hammersmith e Euston. Onde
andará? (“Onde andará?” é das perguntas mais tristes que
conheço, sinônimo de se perdeu.)
Eis
que de tanto pedir, insistir, acender vela, fazer todos os feitiços
para Santo Antônio e Oxum e concentrar, rezar, mentalizar, eis que
pintou. Ano passado me baixou um encosto de São Francisco de Assis,
joguei (literalmente) pela janela quase tudo que tinha e, com duas
malas, parti para o Rio. Não queria mais me prender a nada. Nem a
Sampa, bem-amada. Numa ida a Porto Alegre, em agosto, deu-se.
Explosão: à primeira vista. Tudo o que dissemos, depois de um
suspiro de alívio, foi: eu amo você. Pasmem: verdade das
verdadeiras. Ousadias do coração que saca, na hora, a intensidade
do lance. E não disfarça. Bueno,
tinha pintado. Então tá. Romance comme
il faut: dias numa
casinha no meio de bosques em Gramado. Depois volta ao Rio e, como
dizia Ana Cristina Cesar (Aninha, Ana C., a bela, que falta você me
faz menina fujona!), “amizade nova com o carteiro do Brasil”.
Laudas e laudas de cartas de amor, uma por dia, duas por dia, dez por
dia. Fotos, poemas, juras interurbanas. Voltei. Nós fomos os dois
pro Rio. Dois meses lá: o amor resistia, [...]
E
agora, Caio F.? Agora, estou amanhecendo. Ah, me digo, então era
assim. Essa coisa, o amor. Já conheço? Já conheço. Mas como é
mesmo que se chama? Também não estou certo se estarei mesmo
amanhecendo. Talvez, sim, anoitecendo, essas luzes penumbrosas são
muito parecidas. Não sei muita coisa. Quase nada. Pedi? Levei. Nunca
tinha sido tão intenso, nem tão bonito. Nunca tinha tido um jeito
assim, tão forever.
[...]
Amor
é a palavra que inventamos para dar nome ao Sol abstrato em torno do
qual giram nossos pequeninos egos ofuscados, entontecidos, ritmados.
A vida toda.
Um comentário:
Ótimo destaque do livro! Engraçado que o trecho serviu lindamente pra minha situação também, já que tenho vivido "na ponte aérea" desde janeiro (Porto Alegre) e sofrendo, muito... mas o amor eu tenho, quase 5 anos :). Um prazer te emprestar, querido, amei tudo o que falou e já favoritei o post *-*.
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