segunda-feira, dezembro 14, 2009

Mia Couto 1

Enquanto me preguiçava sem destino, ia ouvindo os ditos da gente: esse Kindzu apanhou doença da baleia. Falavam da grande baleia cujo suspiro faz o oceano encher e minguar. Minhas parecenças com o bicho traziam lembranças do antigamente: nós, meninitos, sentados nas dunas. Escutávamos o marmulhar das ondas, na quebra do horizonte, enquanto esperávamos ver a baleia. Era ali o lugar dela aparecer, quando o sol se ajoelhava na barriga do mundo. De repente, um ruído barulhoso nos arrepiava: era o bichorão começando a chupar a água! Sorvia até o mar todo se vazar. Ouvíamos a baleia mas não lhe víamos. Até que, certa vez, desaguou na praia um desses marmíferos, enormão. Vinha morrer na areia. Respirava aos custos, como se puxasse o mundo nas suas costelas. A baleia moribundava, esgoniada. O povo acorreu para lhe tirar carnes, fatias e fatias de quilos. Ainda não morrera e já seus ossos brilhavam no sol. Agora, eu via o meu país como uma dessas baleias que vêm agonizar na praia. A morte nem sucedera e já as facas lhe roubavam pedaços, cada um tentando o mais para si. Como se aquele fosse o último animal, a derradeira oportunidade de ganhar uma porção. De vez enquanto, me parecia ouvir ainda o respirar gigante, engolindo vaga após vaga, fazendo da esperança uma maré vazando. Afinal, nasci num tempo em que o tempo não acontece. A vida, amigos, já não me admite. Estou condenado a uma terra perpétua, como a baleia que esfalece na praia. Se um dia me arriscar num outro lugar, hei-de levar comigo a estrada que não me deixa sair de mim. Vistas as coisas, estou mais perdido que meu mano Junhito.


Mia Couto, in Terra Sonâmbula

2 comentários:

marcos disse...

:)

acho que esse livro é o melhor dele. tão bonito.

Everton Natividade disse...

genteeeeeee!
eu recebi um comentário do visnadi!
S2 total!
=)