quinta-feira, abril 26, 2012


Esta postagem será enorme. Mas haverá de valer a pena por cada palavra, sobretudo porque será uma daquelas em que eu faço simplesmente a abertura, no início, e o fechamento, no final, das aspas. A citação é de Caio Fernando Abreu, um texto publicado na revista Around, acho que em 1985. Tiro-o do livro de Paula Dip, que me foi emprestado por uma ex-aluna linda, uma moça enorme de sorriso marcante, olhos de mangá e sensibilidade cult dessas excepcionais. 
 
Levei muito tempo para ler o livro. Primeiro, porque eu vi a capa, e quem vê capa não compra o miolo, porque ela é horrível. Um rosa choque bem escuro, uma foto em preto e branco, letras garrafais. E muito caro. Minha filosofia tem sido a de trocar livros, doar livros, pegá-los emprestados... menos dinheiro e mais circulação, na medida do possível. Por fim, uma vez tomado emprestado à ex-aluna, ainda levei muito tempo para completar a leitura porque o volume tem uma auto-dedicatória com uma linda caligrafia (tanto quanto a dona... a Grafologia explica), e eu não tive coragem de levá-lo comigo às viagens dos últimos dias (São Paulo, Ilha Bela, Recife, Campinas, Rio de Janeiro...). 
 
O livro, enfim, chamado Para sempre teu, Caio F., é uma publicação da Record, que já fez edições melhores e já teve revisões mais cuidadas. De toda a forma, é uma bela biografia informal das vidas paralelas da autora e, o que realmente interessa, de Caio Fernando Abreu. O trechos aí de baixo estão entre as páginas 217 e 221 ― e me vêm bem a calhar para este momento de encerramento de um relacionamento equivocado (o encerramento? ou o relacionamento?).





Do fundo do coração, ou Love, Love, Love

Sempre acreditei que toda vez que a gente entra numa igreja pela primeira vez, vê uma estrela cadente ou amarra no pulso uma fitinha de Nosso Senhor do Bonfim, pode fazer um pedido. Ou três. Sempre faço. Quando são três, em geral, esqueço dois. Um nunca esqueci. Um sempre pedi: amor.

Nunca tinha tido um amor. O quê? Aos 35 anos, agitando desse jeito? Explico: claro que tive dúzias e dúzias, outro dia tentei contar e me perdi na altura do número cento e trinta e muitos. Mas tudo rapidinho, assim, uma hora, um dia, uma semana, um mês, pouco mais. Nunca, digamos, UM ANO. Então quando alguém suspirava e dizia cara estou saindo de um caso de DEZ anos, meu olho arregalava de pura inveja. Histórias mais compridinhas, claro que rolavam. Maria Clara, por exemplo, mas a gente morava, eu em Sampa, ela no Rio, amor-ponte-aérea. Caríssimo. Isso, das moças. Dos moços, aquele bailarino americano em London, London, quatro/cinco meses. Talvez seis? Numa tarde de compras e roubos em Portobello Road me deu de presente um cacto (perfeito!) e me deixou plantado até hoje. Esse era amor-de-metrô, último trem entre Hammersmith e Euston. Onde andará? (“Onde andará?” é das perguntas mais tristes que conheço, sinônimo de se perdeu.) 
 
Eis que de tanto pedir, insistir, acender vela, fazer todos os feitiços para Santo Antônio e Oxum e concentrar, rezar, mentalizar, eis que pintou. Ano passado me baixou um encosto de São Francisco de Assis, joguei (literalmente) pela janela quase tudo que tinha e, com duas malas, parti para o Rio. Não queria mais me prender a nada. Nem a Sampa, bem-amada. Numa ida a Porto Alegre, em agosto, deu-se. Explosão: à primeira vista. Tudo o que dissemos, depois de um suspiro de alívio, foi: eu amo você. Pasmem: verdade das verdadeiras. Ousadias do coração que saca, na hora, a intensidade do lance. E não disfarça. Bueno, tinha pintado. Então tá. Romance comme il faut: dias numa casinha no meio de bosques em Gramado. Depois volta ao Rio e, como dizia Ana Cristina Cesar (Aninha, Ana C., a bela, que falta você me faz menina fujona!), “amizade nova com o carteiro do Brasil”. Laudas e laudas de cartas de amor, uma por dia, duas por dia, dez por dia. Fotos, poemas, juras interurbanas. Voltei. Nós fomos os dois pro Rio. Dois meses lá: o amor resistia, [...]

E agora, Caio F.? Agora, estou amanhecendo. Ah, me digo, então era assim. Essa coisa, o amor. Já conheço? Já conheço. Mas como é mesmo que se chama? Também não estou certo se estarei mesmo amanhecendo. Talvez, sim, anoitecendo, essas luzes penumbrosas são muito parecidas. Não sei muita coisa. Quase nada. Pedi? Levei. Nunca tinha sido tão intenso, nem tão bonito. Nunca tinha tido um jeito assim, tão forever.

[...]

Amor é a palavra que inventamos para dar nome ao Sol abstrato em torno do qual giram nossos pequeninos egos ofuscados, entontecidos, ritmados. A vida toda.

quinta-feira, abril 05, 2012

Sobre revistas, sovineza e heróis, nacionais ou não

Há duas histórias: a história oficial, mentirosa que se ensina, a história ad usum Delphini; depois, a história secreta, onde estão as verdadeiras causas dos acontecimentos, uma história vergonhosa.

Balzac, Ilusões perdidas, III, 32 (apud Paulo Rónai, Não perca o seu latim, p. 22)


No mês passado, num golpe de coragem, comprei quatro revistas na banca de jornal. Digo um golpe de coragem porque, é bem verdade, primeiro, que cada revista custa de dez a treze reais, hoje em dia, e fica bem difícil deixar de ser mão-de-vaca e comprar um número, muitas vezes por causa de um só artigo que se viu anunciado na capa. Segundo, que eu sou canguinha que só com certas coisas.

Também no mês passado, minha mãe e minha sobrinha estiveram em casa por uma semana. Num dos passeios, os chinelos da minha sobrinha (que é linda) arrebentou-se. Entramos na C&A, e ela escolheu um par de havaianas, que eu paguei sem hesitação. Depois me dei conta de que faz tempos que estou querendo um par de havaianas novas e que não o comprei, ainda, porque sempre o acho caro. E eis aí quão paradoxal eu posso ser.

Voltando às revistas, uma delas é a Vida simples (edição 115, fevereiro de 2012), cujas matérias de capa vez por outra me chamam a atenção. Nunca a havia comprado, lido ou sequer folheado, e tive uma bela surpresa: ela tem imagens lindas, um ou dois artigos interessantes, muita informação útil em gotas, pouco que eu tenha julgado realmente bom.

Outra das quatro é a excelente Mente cérebro (ano XIX, número 229), que conseguiu cinco estrelinhas: os artigos são muito interessantes, há também informações úteis esparsas e (pasmem!) muito que eu achei realmente bom. Depois de mais de dez anos, surge diante dos meus olhos uma revista que talvez eu venha a querer assinar. À parte o artigo sobre sonhos, motivação da compra, há um intitulado Fábrica de heróis, da página 39 à 43 (relativamente curto, mind you), que descreve o trabalho de um psicólogo da Universidade de Stanford, Philip Zimbardo, que vem desenvolvendo projetos no intuito de “ensinar” coragem e altruísmo. O texto é de Giovanni Sabato, identificado como jornalista científico, e me agradaram as fotografias selecionadas, os pequenos trechos em destaque, a seção “Para saber mais”, ao fim do artigo e, como não podia deixar de ser, a imagem bastante criativa que abre o artigo.

Mas não só para tecer esses elogios é que me pus a escrever esta postagem. Tem mais. O meu fascínio com heróis (não diferente do que tenho com sonhos) já me havia feito comprar, no ano passado, um exemplar da Revista de História da Biblioteca Nacional (ano 6, número 62), que tem justamente o artigo A morte do herói: ascensão e queda dos mitos nacionais como matéria de capa. Como parece ser recorrente nessa revista, o artigo tem redação inteligente (a autora é Vivi Fernandes de Lima) e discute, entre outros tópicos relevantes, o que leva uma figura a tornar-se herói, num processo que é descrito como concomitantemente histórico e político. Cita-se muita gente: Winston Churchill (“sangue, suor e lágrimas”... risos), logo na primeira página; Tiradentes (excurso: acabo de ler o Romanceiro da Inconfidência... adoro a Cecília); Reinaldo Ferreira, poeta espanhol do século XX... A matéria se encerra com um “infográfico” que mais vale pelas divertidas caricaturas de Vitor Vanes, na página 23, e pela lista de nomes oferecida, separados pelos Estados nacionais em que as personagens célebres atuaram, que pelos comentários biográficos, tão resumidos que beiram a inutilidade.

Não sei se já quero encerrar este texto. Estou com a sensação de que não disse o que vim para dizer, se que é que de fato havia algo.

Pulando de heróis para super-heróis, não consigo pensar num brasileiro. O meu favorito, desde sempre, é o Batman, que é norte-americano. E acho que todos o são, não? Quando penso em super-herói brasileiro, só me vem à mente o Overman (do Laerte), que sempre me lembrou em muito o Chapolim, que é quase nacional... Mas o Overman é um super-herói quase anti-herói... será que só temos isso?

Daí que encerro com uma comparação anedótica, que ouvi, certa feita, do Prof. Peterlini: o latinista brasileiro é como um padrinho de casamento que se prepara para a cerimônia, no seu fraque, e, ao chegar ao evento, notando que todos o encaram, descobre-se sem a calça. Troque-se “latinista” por “brasileiro” e muito se explica... até mesmo os nossos super-heróis, ou a ausência deles. Imagem eterna da excelência (?) a que falta o mais óbvio e básico. Triste conclusão, esta minha.