sábado, março 31, 2012

S.T.A.L.



Estou com umas quatro postagens prontas, guardadas para revisão. Para que o mês não passasse em branco, resolvi dar o ar da graça por aqui hoje. Depois de quase três semanas de estrada, com perdas e prejuízos consideráveis, mas ganhos bem vultosos, achei que o melhor seria um texto leve. E aí vai a narrativa de um desespero pré-Recife...

Daí que eu vou ao banheiro escovar os dentes e pôr o aparelho antes de me deitar e, perto do botão da descarga, dou de cara com aquele bicho esquálido, semitransparente, com as coisinhas lá dentro meio à mostra. Não, não havia nada de engraçado. Peguei a vassoura e tentei espantar o bicho pelo basculante, o mesmo por onde, muito provavelmente, ele tinha entrado. Como desgraça pouca é café pequeno, ele foge pro meu boxe e vai patinhando no azulejo até para cima do meu chuveiro. Danou-se.
Ainda com a vassoura, vou tentando fazer que ele se mova na direção da saída, mas nada. Recurso extremo: pego o inseticida que mata baratas e outros bichinhos e ataco. Assustado com a nuvem que foi na sua direção, o animal dá um salto mortal, de costas, com três loops e duas batidas de cauda na minha direção. Eu me deito por volta da uma, e devia ser uma meia noite e meia quando o edifício inteiro se deu conta da potência da minha voz.
Com muito custo, cheguei um pouco mais perto do boxe e vi a coisa no chão. Andando, logo, viva. Foi subindo pela parede e, fugindo da minha nova tentativa de encaminhá-la para a saída do meu boxe, do meu banheiro, da minha vida, ela se assusta novamente e entra no conduíte dos fios de instalação do chuveiro.
Longe dos olhos, mais ou menos longe o meu temor. Deixei a luz do banheiro ligada (pra quê? pra ela não ter que tatear no escuro?) e, abajur ligado, entrei na lide de uma noite de sono turbulento, partido em três, com abajur ligado e sonhos de répteis viscosos e nada católicos.
De manhã, bati na porta do banheiro antes de entrar, não sei se para fazer barulho e ela se esconder da minha presença ou se para avisar que ia entrar. Afinal, que fosse minimamente cordial a convivência que se instaurava, malgrado meu. Nada dela, senão o rabicho que ela ejetara no chão do meu boxe.
Havia uns dias já, eu tinha comentado da necessidade de lavar o banheiro, que estava bem sujinho. Pois já que a inquilina indesejada se tinha ido e deixado uma lembrancinha, nenhum momento poderia ser melhor. Vassoura, sabão, cândida e desinfetante, além de outros apetrechos, para, depois de o banheiro já lavado e limpo, me brotar um corpo atrás da porta, que a água de enxágüe tinha trazido não faço eu a menor idéia de onde. Que coisa medonha, molhada, agora acinzentada... morta.
E a gente acharia que esta postagem se encerra aqui, mas que nada. Nessa hora veio a reflexão de como era bom morar no dormitório estudantil, onde sempre havia alguém que se encarregasse da solução desses problemas funerários, quando raros eles se apresentavam.
Continuação do íncubo, armo todo um esquema em que a pá fica numa posição x para que, com um jato de água lançado da direção y, a lagartixa l trace um caminho e caia na pá. Uma vez executado o cálculo, mais uns dez minutos de controle de respiração até eu ter coragem de pegar no cabo da pá, o cadáver (caro data uermibus) seria lançado à privada, e a descarga se encarregaria de escrever o the end dessa saga. Mas eis que carne ainda não estava pronta para os vermes e se mexe na placa plástica amarelo-ovo.
O grito que se seguiu foi de pulmões que eu desconhecia ter, mas que muito provavelmente são fruto dos dois anos de natação que andei fazendo.
Ato contínuo, o inseticida saltou de volta à minha mão, e eu, de um ponto atrás da soleira da porta onde nenhuma nova surpresa pudesse me encontrar, escondia o corpo e punha à vista somente o dedo indicador, assassino que fazia pressão a intervalos mais ou menos regulares e criava uma nuvem letal apontada pra bichana sem cauda. Em algum momento desses minutos que pareciam uma eternidade, ela se cansou de ser ofendida por aquele gás e se arrastou para trás da vassoura, que estava ali parada do lado do vaso. E lá eu vi, por entre os fios da piaçava, a pobre agonizar. Não vou mentir e dizer que o medo me impeça de me apiedar. A cena é tétrica, e, a gente sabe, eu já a havia visto, em outro momento nigredo da vida, um rato passar pelo mesmo drama.
A água que tinha iniciado o enxágüe do banheiro chegava a luzir com a gordura do inseticida, uma lata inteira, que tinha sido lançada no banheiro. Temi até que eu mesmo me intoxicasse, depois, quando, uma vez recolhido o corpo e lançado ao seu sepulcro subaquático, pelas mãos de uma amiga gentil que havia sido chamada pelo telefone (quem disse que eu dava conta da tarefa? eu era uma pilha de nervos...), relavei o chão do banheiro duas vezes, com muito sabão e água, Pinho Sol e olhos que escrutinizavam as paredes e o teto a cada cinco segundos.
Eu queria muito que esses bichinhos não entrassem na minha casa... isso evitaria tensões enormes, que se estendem por dias a fio após o episódio, e salvaria a vida dessas criaturinhas praticamente inofensivas que o meu medo insano transforma em monstros famintos pelo meu sangue e equilíbrio emocional, sempre tão arduamente conquistado...