quinta-feira, março 25, 2010

Enquanto escovo os dentes

Enquanto escovo os dentes, olho pro teto e vejo, pouco acima da porta, a caixa da campainha. Desço os olhos e enxergo a porta, tão mais alta que eu. Não tão mais alta que eu. Faz alguns anos, eu era uma criança, eu olhava pro teto e pro topo da porta e me impressionava imensamente com a grandeza das coisas.

Eu queria que meu pai me carregasse na corcunda e era feliz quando podia bater o lustre de vime que tínhamos na sala com a minha própria mão. Há pouco tempo, eu fiquei frustradamente chocado, quando, fora da presença do meu pai, falando nele, minha mãe me revelou que ele não tinha mais que um metro e setenta e cinco, por aí. Como é possível?

Faz alguns anos, eu era uma criança, eu via um rapaz no ônibus e, na minha inocência, não o reconhecia como um homem, sabendo que ele era algo de intermediário entre mim e o meu pai, na seqüência do tempo. Eu me lembro de ter pensado muitas vezes nisto – e de tê-lo dito à minha mãe: quanto medo de andar de ônibus sozinho, assim, sem ninguém pra me dizer aonde saltar ou pra puxar a cigarra pra mim. Eu olhava pro futuro com medo da necessidade de ser aquilo que eu inevitavelmente me tornaria, como eu já pressentia.

Faz alguns anos também, eu era ainda uma criança, eu não compreendi o choro da minha mãe quando viu um arranhão cor de rosa na sua geladeira marrom. Todos os móveis da sua cozinha eram marrom, mesmo a mesa dobrável com tampo de azulejos de que a minha memória guarda uma imagem fotográfica. Por baixo do marrom, o zarcão rosa, para evitar a ferrugem, acho, ficou visível em um risco, pouco abaixo da marca, ali do lado do puxador. Aquela foi a primeira mudança de que eu me lembro, eu faria seis anos meses depois. Nos movimentos de sobe e desce dos móveis, na agitação do que vem contra o que vai, um arranhão se fez na porta da geladeira. Quando ela o viu, sentada no chão da cozinha, ela chorou.

Agora, depois de um dia cansado, eu, cansativo, com os músculos tensos e o pensamento ainda em linha de produção, tarde da noite, lavo a louça, e um descuidado copo se lança da minha mão. Em cima de outro, que se quebra. Antes que eu me dê conta do que de fato se passou, eu me sento no chão da cozinha e, em reprodução, compreendo aquele choro que me marcara tanto.

Hoje eu apreendo – e sinto falta da minha infância.

sábado, março 06, 2010

Em Juiz de Fora, numa quinta-feira


1.

Empório do Churrasco

“A melhor lingüiça de Minas”



2.

Mulheres (parte 1)

Depois do recesso, acordei cedinho-cedinho, tomei meus remedinhos matinais, fiz minha devocional, li uns versos e fui encarar o mundo. Pasmem: sem uma camiseta listrada.

Era dia de sessão, e a minha sissicóloga, que é de longe a minha maior ídala em Juiz de Fora, tava lá, linda e loira (na verdade, ela é morena) e disse que eu sou a noiva em fuga.



3.

Meninos (parte 1)

E não é que o menino lindo daquela loja de quadros ou sei-lá-o-quê (acho tudo de um extremíssimo mau gosto) hoje estava na porta quando passei? Pois vi que valeu a pena a espera – grande e largo como todo bom mineiro, nutrido de Sustagen na infância, nada lhe resta senão a glória.



4.

Rua São Mateus

Santo Católico

Sim, uai, porque aqui, ao contrário do que se esperaria, as placas de esquina não trazem o CEP do logradouro (adoro “logradouro”... acho digno) ou o número mais alto e o mais baixo do logradouro. São pequenos drops de cultura. De que outra forma eu saberia que SÃO Mateus era um santo católico?



5.

Mulheres (conclusão)

O nome dela é o de uma deusa; eu hei-de (com hífen) chamá-la Diva. (Pra manter a tradição de não dar o nome que as pessoas de fato têm, como sempre se fez neste blogue.) Hoje foi a minha terceira aula com ela. De natação. Só tenho aula com ela quando a minha instrutora está de férias ou afim. Não há um movimento que lhe escape, à Diva, ainda que, na maior parte do tempo, ela esteja à beira da piscina com olhos de não-te-vejo-nem-te-observo. Lá pelas tantas:

“E como estão as palestras?”

“Ques palestras?”, pergunto eu.

“Você não afixou o cartaz duma palestra sua no mural daquela vez?”

Explico que a palestra não era minha. Só tinha ocorrido na FALE, lá onde eu trabalho.

“Se tiver algo de sábado [o de é por minha conta; essa regência é de São Paulo; nem sei como se diz por aqui], me avisa. Durante a semana não dá para nada. Tou precisando de umas coisas assim, ventilar e ver coisa nova, um pouco de cultura.”

Eu fiquei feliz.

Um, pela iniciativa. Mas a sua postura de professora já deixava antever que seria, assim... uma pessoa interessada no mundo, com vontade de veraprender (sem hífen, que a reforma ortográfica fez ele [ou fê-lo, mais pomposo] cair _ ).

Dois, pela lembrança. Quem diria que ela sabia que eu tinha sido o responsável pelo tal cartaz? E que memória! (“Eu me lembro do que é importante”, como diria o Normann.)

Pois me lembrei da Cláudia, aquela professora de espanhol do Instituto Cervantes, de longe a melhor que já tive nessa língua (também conhecida como “português de comédia”), que só soube que ela era a melhor professora de espanhol da face da Terra quando eu lhe contei. E por intermédio de um aluno meu, que eu já não era mais aluno dela, mas ele era.

E na semana que vem todos os meus treinos serão com a Diva. Já estudei horários e me programei todo. Estarei lá, linda, loira (ainda que morena) e positiva.



6.

Meninos (conclusão)

De onde sai tanto moreno de olhos claros, gente?

...

Daí eu cortei o cabelo, fiz a barba. E me preparei um litro de leite com chocolate no meu supercopo do Batman. E escrevi estas besteiras.



Epílogo.

Estas são de uma quinta que era terça-feira. Alameda, que eu fui ver o Jude Law e a Glória Pires. Muitas perguntas. Duas com respostas.

a) Como um cavalo consegue cagar a extensão da Morais e Castro com tanta eficiência que, passadas as horas do Sol mais Sol e emplastrada a bosta no asfalto, mesmo à meia-noite a essência merdíflua soa no ar?

b) Quem ensinou essa gente a conversar o tempo todo no cinema, gritar “Lindo” pro Downey Jr. sem camisa e “Linda” pra Mc Adams?

c) Por que ela é tão bonita e bem-vestida, mas não sabe que a minha poltrona não é o escabelo de diante da poltrona da sala de tevê da casa dela?

d) E esse Robin Hood que vem aí, minha gente? O Crowe ta meio velhote, não?

e) Na ida: “Papai vai comer a sua patinha todinha, você vai ver”. O Papai? Um senhor de uns cinqüenta (com duas tremas!) anos. A filha? Uma totó dessas de madame, púdol talvez, dessas que andam na moda aqui em Juiz de Fora, cidade da caquinha de totó na calçada, cacona de pocotó no asfalto.