terça-feira, novembro 17, 2009

Passionné de Cham



Não poucas vezes eu cito aqui um e outro autor, guardando entre estes escritos trechinhos de obras que me tocaram. Nunca citei, no entanto, esse que é (eu diria “o meu autor favorito”... mas nós sabemos que eu sou lunar, então digamos:) o meu autor favorito hoje: Patrick Chamoiseau, o Oiseau de Cham. E nunca o citei porque é quase blasfêmia cortar um pedacinho da perfeição. Pirataria.

Mas hoje o que eu celebro é tão especial, quem eu celebro é tão especial, que resolvi trazer dois trechos do Oiseau, os dois do romance Texaco.

Um fala de mim:

Le lendemain, en questionnant les autres, elle se sut récipendiaire unique de cette chose indicible. Penchée sur son jardin, elle demeura inquiète : son coeur battait plus large ; sa tête abritait des pensées sans coutumes.

Patrick Chamoiseau, in Texaco


O outro seria a epígrafe desta postagem, que seria um cosido de citações, se eu soubesse fazer o que me proponho, se eu fosse mais experto, se a postagem fosse o que devia ser: somente o que está para baixo desta epígrafe:


La sève du feuillage ne s’élucide qu’au secret des racines.
Patrick Chamoiseau, in Texaco




espaço em branco entre esses versos e aqueles outros que diziam
olhai o fundo dos meus olhos,
por este prisma de lágrimas,
olhai, olhai, e avistareis
, com um arrepio subindo desde a cintura até os cabelos molhados da nuca, os olhos embaçados pela luz do dia, água do banho ou de lágrimas, quem sabe, de repente um vazio que nem todas as obscenidades que Jacyr continuava dizendo poderiam preencher, tornar engraçado ou mais leve, dentro daquela saudade que não ia embora por mais que o tempo passasse e dentro dele, mesmo sem lembrar, apenas agindo, todos os dias eu acordava e tomava banho, escovava os dentes e fazia todas essas coisas rotineiras, igual a alguém que aos trancos, mecanicamente, continua a viver mesmo depois de ter perdido uma perna ou um braço que, embora ausentes, ainda doem – sem poder evitar, inesperadamente, sem querer evitar, outra vez lembrei de Pedro.
-- E aquele rapaz que vinha sempre aqui?
Hein, eu disse, quem.
-- Aquele rapaz bonito, aquele meio dourado. Aquele dos olhos claros, nunca mais apareceu.

Caio Fernando Abreu, in Onde andará Dulce Veiga?




Agora sorria com esse sorriso enjeitado dos que não agem claro e... procedendo mal? porque! Passara a perna esquerda sobre a mesa branca, semi-sentado. Balançava-a num ritmo quase irregular. Quase. E olhava sobre a mesa uma folha perdida com que a mão brincava. Os desapontados se deixam olhar, Fräulein olhou Carlos.

Essa foi, sem que para isso tivesse uma razão mais forte, a imagem dele que conservaria nítida por toda a vida. O rapazinho derrubava o braço desocupado sobre a perna direita retesa. Assim, ao passo que um lado do corpo, rijo, quase reto, dizia a virilidade guapa duma força crescente ainda, o outro, apoiado na mesa, descansando quebrado em curvas de braço e joelho, tinha uma graça e doçura mesmo femínea, jovialidade!

Mário de Andrade, in Amar, verbo intransitivo


E é isso a postagem.


22 ans. Joyeux anniversaire, Cham, joyeux anniversaire.