terça-feira, setembro 29, 2009

Dúplice

Dois amores (dei baixa em um). Duas cidades. Duas viagens. Duas consultas. Duas injeções. Dois livros, dois autores. Duas monitoras. Dois amigos. Mais dois amigos. Mais dois amigos... E amanhã, duas dores. Deus...

quarta-feira, setembro 23, 2009

ele estava num de seus dias opacos,
inteiramente impermeável à clareza de minhas idéias.
Se ele estivesse desanuviado, teria grunhido
como faz quando percebe tudo --
um grunhido impreciso,
que nunca pude saber
se é articulado nos lábios, no nariz, nos dentes ou na garganta.
Autran Dourado, A glória do ofício, Solidão Solitude



Mas hoje não. Não me lembro de uma noite em claro desde São Paulo. Vejam aí. Eu postei. E agora me vejo aqui, no centro deste colchão, cercado de silêncio por todos os lados. Aliás, por todos os lados não: somente pelos de fora.


Faz o quê, meu Deus? duas semanas? É isso. Três, no máximo. Escrevi o email. E eu dizia como vai você, e como vão as suas coisas, e como estão os seus sonhos. Sem resposta. Mas um comentário: alerta vermelho, Everton, eu não tenho coração. E eu vaguei dias e dias pelas relojoarias de Juiz de Fora em busca de um. Sem sucesso. Caso perdido.


O fato é que as pessoas não estão acostumadas a serem queridas, não conseguem compreender ou aceitar que alguém se preocupe com elas, que alguém pense nelas, que alguém tente, debalde e ingenuamente, ajudá-las com horas de um pensamento carinhoso, de sorriso nos lábios, em que a imagem delas, felizes e completas na sua realização, seja o suficiente. Que ridículo. Eu não passo de um alguém, injusto e (inútil) escrevedor de emails babacas. Não poderei nunca ser o Mágico de Oz.

Juiz de Fora, dia 21 de agosto de 2009.

domingo, setembro 20, 2009

Such a portentous monster roused my curiosity. [...] With other men, perhaps, such things would not have been inducements; but as for me, I am tormented with an everlasting itch for things remote. I love to sail forbidden seas and land on barbarous coasts. Not ignoring what is good, I am quick to perceive a horror, and could still be social with it-would they let me-since it is but well to be on friendly terms with all the inmates of the place one lodges in.

Herman Melville, in Moby-Dick
(aka O livrinho da baleia)

sábado, setembro 12, 2009

"mas, enfim, cada um vê o que quer no fugaz desenho de uma nuvem."

I

Bonito, isso, né? Li num livro.

A última semana foi de vivências novas e memórias de virtualidades passadas. Vi tanta coisa, ouvi tanta história, estive com uma das minhas inumeráveis paixões em mente. Essa é uma que nunca citei aqui. O Fotógrafo. Aliás, minto. Já falei dele outras vezes, muitas até; mas ele reclamou do seu apelido, "uma metáfora infantil". Resolvi mudá-la. Agora ele se chama O Fotógrafo.

Mas eis que eu resolvi participar de um evento aqui da Letras chamado Encontros com a Literatura. O primeiro dia de conferência veio ilustrado por dois figurões: o Prof. Doutor Gilvan Procópio Ferreira e o Guimarães Rosa. O primeiro é chefe de departamento, uma figura generosa como poucos, cuja biblioteca particular fica aqui, na salinha de Literatura Brasileira, à disposição de quem quiser e se propuser a ler. E há títulos incríveis. O segundo, o Guima, é um autor diante de cujo nome eu não devia apor o artigo -- nunca o li. Tão vexante quanto verdadeiro.

Ao longo da sua fala, o Prof. Gilvan mostrou algumas mandalas, criação artística de Arlindo Daibert Amaral, ex-professor da UFJF. O que me chamou a atenção, bem mais que os trabalhos artísticos dele, foi a sua biografia: tendo estudado Letras aqui mesmo, voltou depois para o ninho como professor de Artes. E, ao que me consta, faleceu no meio de uma fala, sobre Artes. E coseu as Letras com as Artes, em obras como Imagens do Grande Sertão .

Diante disso, impossível não pensar nO Fotógrafo.


II

Aí chegou o domingo, pé de cachimbo. No sábado eu fui ao grande xópingue daqui, o Independência. Ai, Jesus, eu e as minhas dificuldades: confundo Guimarães Rosa com Graciliano Ramos, notam?, GR - GR. Corror. E agora achei de achar que Independência se chama Liberdade. Good grief...

No domingo eu fui conhecer o tal Mascarenhas. Já tinha visto notinhas de eventos no tal lugar no jornal (eu agora leio o Tribuna de Minas aos domingos, minha gente) e tava curioso de ir conhecer o espaço. Daí fui ver a exposição fotográfica de um Daniel Sotto Maior. A primeira coisa, à esquerda, é um texto, suponho eu da curadora. Uma lástima. Depois, um quadrinho: qualquer foto 50R. Fiquei espantado. Depois as fotos. Belinhas algumas, bonitas umas cinco, lindas umas duas. E pensei nO Fotógrafo.

Aí saí da exposição e fui conversar com a recepcionista, uma senhorinha chamada Raquel que é um poço de simpatia. É que o lugar é lindo... um curso de Mitologia ali seria um sonho. Mas agora já tou pensando num de teatro romano: tem dois grupos de teatro lá aos sábados, acho que colava mais. Enfim, voltando à Raquel, ela me mostra uma coisa e outra, e vamos parar na sala de Fotografia. Um espaço bem legal, com uns quatro ambientes e umas duas máquinas com cara de caras que logo, logo se perdem. O moço que seria responsável por ministrar aulas de Fotografia na cidade brigou com o prefeito, foi-se, evadiu-se, nunca mais se viu. Lúcio Sérgio Catilina. Humpf.

Ah, é. Aí eu pensei, de novo, nO Fotógrafo.


III


Daí veio o sábado 5. Nos tais encontros, era dia de Agualusa, um autor que eu desconhecia. Africano. Parece que anda morando no Rio faz um tempim.


O livro, O vendedor de passados, é interessante, tem uma lagartixa de narrador e umas cenas, histórias e parágrafos muito loucos. No meio disso tudo, três das quatro personagens principais são fotógrafos. A única personagem feminina, Ângela Lúcia, diz "Nem sequer sei se sou fotógrafa. Eu colecciono luz.", bem na página 55. Nada criativo que ela se chame Lúcia, talvez, mas é curioso que ela seja introduzida em cena em compração com uma prostituta, de quem a lagartixa, antes humana, foi apaixonada. E a prostituta se chamava Alba. Tanto pela luz da foto.


Mas, enfim, se foto é a escrita da luz, falemos da escrita. Aliás, quero falar da escrita da imagem. Que foto é imagem. Já que resolvi falar de fotos... Pois o livro é bem imagético. Além do trechinho que deu mote a esta postagem (que está na página 80 do livro), há os sonhos. A lagartixa (ou osga, como se chama no livro) tem sonhos de que se eiva o livro. Esses sonhos são narrados, e vira e mexe a lagartixa se revê humana nessas visões oníricas. E duas vezes se metalinguageia sobre sonhos.


(1) Na página 76, "--Deus deu-nos os sonhos para que possamos espreitar o outro lado --, disse Ângela Lúcia: -- Para conversarmos com os nossos mais-velhos. Para conversarmos com Deus. Eventualmente, com osgas."


(2) E na página 102, fala da mãe da osga... rs: "-- A realidade é dolorosa e imperfeita --, dizia-me: -- é essa a sua natureza e por isso a distinguimos dos sonhos."


E duas outras cenas me chamaram a atenção, e eu fiz questão de fazer correr o lápis:

(1) Na página 102: "Imaginem um rapaz correndo de moto numa estrada secundária. O vento bate-lhe no rosto. O rapaz fecha os olhos e abre os braços, como nos filmes, sentindo-se vivo e em plena comunhão com o universo. Não vê o caminhão irromper do cruzamento. Morre feliz. A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos."


Isso me lembra algo que dizia (ou diz, que sais-je...) O Sonho.


(2) Na página 153: "A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento. Vemos crescer por sobre as acácias a luz da madrugada, as aves debicando a manhã, como a um fruto. Vemos, além, um rio sereno e o arvoredo que o abraça. Vemos o gado pastando lento, um casal que corre de mãos dadas, meninos dançando o futebol, a bola brilhando ao sol (um outro sol). Vemos os lagos plácidos onde nadam os patos, os rios de águas pesadas onde os elefantes matam a sede. São coisas que ocorrem diante dos nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram. Talvez as tenhamos sonhado. Já me falha a memória, dizemos, e foi apenas o céu que escureceu."


E um último trecho, que me fez, ele também, pensar nO Fotógrafo, está na página 145:


"Existem pessoas que revelam, desde muito cedo, um enorme talento para a desventura. A infelicidade atinge-os como uma pedrada, dia sim, dia não, e eles recebem-na com um suspiro conformado. Outras há, pelo contrário, com uma estranha propensão para a felicidade. Estas são atraídas pelo azul, aquelas pela embriaguez dos abismos. Há pessoas destinadas a sonhar (algumas são bem pagas para isso); há pessoas nascidas para trabalhar, práticas e concretas e incansáveis, e há pessoas com jeito de rio, que vão da nascente à foz sem quase nunca abandonarem o leito."